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O Americas Rugby Championship terá seu pontapé inicial na próxima semana, com o Brasil entrando em campo na sexta-feira diante do Chile, em São Paulo. Nós já estamos no ritmo do torneio e nosso analista português Francisco Isaac fez sua análise imparcial dos Tupis. Confira!

 

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A gira de fim de ano dos Tupis à Europa não correu da melhor forma, uma vez que em três jogos somaram três derrotas. A derrota frente a Portugal fechou a tour europeia, num jogo que podia ter sido ganho por qualquer uma das seleções. Mas antes do jogo frente aos Lobos, o Brasil esteve duas semanas em plena Alemanha, onde defrontou a seleção local por duas vezes.

 

No primeiro encontro a seleção brasileira somou uma derrota algo tangencial por 16-06, num jogo algo “cinzento” de ambas as formações. Nesse encontro sentiu-se uma falta de velocidade ou profundidade, por parte dos brasileiros, o que lhes impediu de chegar à área de ensaio. No segundo encontro, a Alemanha adaptou-se melhor e com duas alterações no XV garantiu uma vitória “pesada” frente aos Tupis. No segundo encontro os brasileiros não foram tão eficazes a defender e acabaram por cometer erros na comunicação defensiva.

 

Mas tentemos perceber melhor quais os erros, como os solucionar e onde melhorar. Esta análise terá recurso a alguns vídeos e fotografias para melhor perceber o que vamos explicar, juntando os erros dos dois encontros em diferentes seções. Passemos à análise:

 

Chutes e pressão

É curioso iniciarmos por este ponto uma vez que pode ser um “pormenor” ou “detalhe” de jogo e parece, à partida, que não tem influência no jogo. Bem, não será assim já que o Brasil cometeu demasiados erros quer na aplicação do chute, quer na pressão a fazer ou na forma como estendeu a linha de pressão por todo o campo. Aqui o problema passa pelos seguintes pontos: estratégia definida pela equipe; má leitura e execução de chute; e falta de habilidade técnica. Temos de ir por diferentes situações, comecemos por situações em que o Brasil tem a oval controlada e executada um chute:

 

O VÍDEO 1 (1º jogo 10:51) ou VÍDEO 2 (2º jogo 06:35) demonstram situações em que o nº10, Coghetto (principal chutador da equipe), decide chutar a bola quando tinha outras soluções disponíveis. No VIDEO 1 é esclarecedor quanto ao erro da visão do abertura, quando tinha apoio interno e externo, para além de ter Estrela e Felipe Sancery mais afastados mas com a profundidade ideal para saírem a jogar.

 

Além da opção errada, há outro erro que vai influenciar a jogada: falta de pressão ao chute. Quando o abertura ou o fullback armam um chute, seja o up and under ou mais alongado, há que existir uma pressão imediata de três unidades (mínimo) a essa mesma situação para conseguir criar algum tipo de erro ou confusão à equipe que vai ter que receber esse chute.

 

Nessas jogadas, como em outras (no primeiro jogo podem ver no minuto 12:40 do vídeo) a falta de jogadores a pressionar pode permitir que a equipe adversária tenha espaço suficiente para sair a jogar ou, pelo menos, meter a bola longe do seu meio-campo. No caso da Alemanha, tanto o nº10 com o 15 são capacitados de um chute de excelente calibre que conseguem meter a bola 40 ou 50 metros do ponto em que a receberam. O Brasil não ganha em nada com este tipo de aposta e acaba por sair penalizado em diversos momentos. A ausência de uma ideia de chute, pressão e defesa “agressiva” permitem que situações como o VÍDEO 5 aconteçam (2º jogo 28:10).

 

Outro ponto negativo dos chutes e Pressão é na altura de receber um chute ou ter que disputar um. O Brasil tem sérias dificuldades técnicas quer na interpretação de como abordar a bola que está a cair do ar ou de como tem de tentar de ir apanhá-la. Veja-se o VÍDEO 3 (1º jogo 17:50) ou VÍDEO 4 (2º jogo 00:35) com os dois tipos de situações a resultarem em erros preocupantes para o Brasil que muito tem a ver com a técnica individual (forma como se dispõe a receber a bola, posição corporal errada), comunicação (no vídeo 4 podem ver que vão três jogadores à bola, mas só um tem condições de lá chegar e é “empurrado” pelos próprios colegas de equipe) e leitura de jogo (a equipe trabalhar como uma só, perceber qual é o papel de cada um e como se ligam uns aos outros).

 

 

Se observarem as equipes de elite, o chute é um pormenor essencial para não só tirar a pressão do seu meio-campo, como aplicá-la no adversário que terá de fazer uso da oval. Se pressionarem bem nessa situação só vão “colher frutos” na continuação do jogo, algo que o Brasil por vezes faz quando é o adversário a chutar, como se pode ver no VÍDEO 6 (1º jogo 10:40). Não podem, também, consentir knock-ons na recepção da oval, que são erros que um adversário inteligente facilmente transforma em pontos.

 

 

Unidades de ataque e movimentações

Após a análise a estes dois encontros, notamos que o Brasil é uma equipe que prima, em excesso, pelo fator do trabalho e confronto físico e não tanto pela leitura de ataque e perfuração ao largo da linha de ataque. Muitas vezes vemos as unidades desorganizadas ou montadas sem profundidade suficiente, que acabam por não ter impacto no jogo. Veja-se o VÍDEO 7 (1º jogo 1:45:38) ou VÍDEO 8 (2ª jogo 10:48-11:04), situações iguais e diferentes ao mesmo tempo.

 

A primeira acaba por correr bem, muito pela excelente colocação na fase seguinte à entrada parada da unidade de 4, que é a situação que queremos observar. Há um pequeno erro do formação que quase deixa cair a bola, o que precipita o avanço em falso da unidade, obrigando o jogador a recebe-la parado e a quase sofrer um turnover no contato. Felizmente, consegue cair no chão e o Brasil sai a jogar, numa situação bem trabalhada como podem ver a foto em baixo.
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Nessa imagem definimos duas unidades  de ataque que poderiam ter sido utilizadas dessa forma. O Brasil opta por transformar o jogador 1 em  falso (um pouco denunciado mas prende ainda assim um defesa), o 4 aparece e recebe a bola e transforma-se em distribuidor de jogo atacando a defesa da Alemanha (que está curvada e com falta de unidades) passando a bola para o 2 e 3. O Brasil chega aos 40 metros da Alemanha mas perde a bola no contato (técnica individual de luta no contato precisa de ser apurada, assim como o apoio tem de ser mais “agressivo” no engajamento).

 

Na segunda situação vemos uma atrapalhação total que advém de uma má execução de manobra ofensiva do Brasil. Se observarem a foto abaixo, o jogador que vai recepcionar a bola, entra sozinho e com o apoio a chegar tarde, o que provoca algum “tumulto” no ruck. Isto vai levar a que o formação tire-a rápido e despeje rapidamente para trás sem perceber bem que seria o jogador a pedir “bola”. Oval no chão, o nº12 tem dificuldades em captá-la e knock-on, formação ordenada para a Alemanha.
brasil alemanha analise2
Estas situações não são isoladas, já que há uma repetição constante das mesmas e que penaliza em muito o jogo de ataque do Brasil. Em dois jogos, o Brasil conseguiu só um ensaio, o que prova em algo as dificuldades que os Tupis sentem para ultrapassar um adversário que tira espaço no meio e aplica uma boa pressão aos chutes (que já mencionamos no 1º ponto).

 

O Brasil tem de apostar mais no risco, de explorar os seus jogadores mais dotados como é o caso de Daniel Sancery. O VÍDEO 9 (2º jogo 35:40) e VÍDEO 10 (2º jogo 25:09) são situações de avanço efetivo no terreno, ambas com uma quebra de linha cada, sempre pelo mesmo protagonista. No vídeo 9, Sancery só falhou no mais fácil: transmitir a bola em condições para o seu colega que vinha lançado. O offload é feito de forma pouco clara e para o chão, algo que tem de ser melhorado. Todavia, o lance vai acabar em ensaio para o Brasil, que após mais uma fase consegue chegar à ponta pelo seu asa.

 

 

O que é que o Brasil tem de melhorar? Essencialmente a leitura atacante. É necessário que as unidades tenham velocidade, capacidade de choque e que não deixem de trabalhar no contato (seja pela ligação de um ou dois jogadores ao portador da bola, ou este manter as pernas a trabalhar), mas antes de tudo todos os jogadores têm de perceber qual o seu papel, seja pela procura do espaço e não do contato, ou por terem noção que têm de estar mais perto do portador da bola para garantir uma limpeza de ruck eficaz. Há situações em que o Brasil pode sair a atacar e acaba por optar por um chute sem nexo como podem ver no VÍDEO 11 (1º jogo 12:40).

 

Nota-se que o Brasil tem graves dificuldades em termos de detalhes técnicos individuais (é raro um offload ou um hand-off) e em assumir o risco do ataque, que muito passa pela estratégia optada pela equipe.

 

Defesa e reação

Nem tudo é negativo na nossa análise sobre o tour do Brasil à Europa, pois a defesa apresentou grandes pormenores de qualidade que prometem ser uma das forças para o futuro/presente. 16 turnovers, 6 penalidades e 10 erros forçados foram os números finais, o que prova a força do Brasil no contato. Os números nos turnovers são impressionantes, assim como as penalidades. Como é isto possível? O excelente trabalho de equipe no momento de atacar o ataque, onde a pressão física e destreza técnica possibilita criar uma situação de turnover ou de falta em que o ataque não tem outra escolha senão mergulhar ou tentar agarrar a oval no chão.

 

Todavia, há outros problemas que advém de faltas de atenção e de concentração, que surgem de situações de ataque espontâneo. O VÍDEO 12 (2º jogo 30:23) demonstra três erros: falha na ocupação do espaço interior e exterior do maul (bem parado pelos Tupis), comunicação parca e falha no tackle individual (pelo menos três jogadores não conseguem parar com eficácia os atacante alemães), o que possibilitou aos germânicos correrem 50 metros sem grande oposição. Na foto abaixo, vejam o espaço que existe no lado de fora, que vai permitir à Alemanha rodar o maul, com o primeira linha a sair disparado para o ataque.


brasil alemanha analise3
Observação final

Optamos por não mencionar os scrums, alinhamentos laterais (lineouts) e rucks uma vez que queríamos dar outro destaque às situações de jogo. Porém, vamos só realizar uma breve observação dos scrums e alinhamentos. Contra a Alemanha o Brasil perdeu cinco  scrums seus, cometeu quatro penalidades e nunca conseguiu contrariar a força dos germânicos, que só fizeram duas penalidades em 160 minutos nos scrums. O Brasil tem peso e físico, mas falta a técnica de trabalho que a Alemanha já apurou com outra qualidade.

 

Nos alinhamentos registraram-se vários erros, principalmente nas situações em que os Tupis tentaram montar o maul dinâmico, que facilmente foi destruído pelos seus adversários. Mal o saltador punha os pés no chão, o opositor metia as mãos na bola e atirava o brasileiro para o chão, não existindo qualquer falta. O problema aqui tem a ver com a velocidade de execução, uma vez que a unidade de levantamento demora bastante tempo a meter o jogador no chão, assim como os restantes colegas não formam rapidamente o maul para aguentar o portador da bola no ar. O Brasil forçou o maul mesmo depois de ter perdido quatro bolas no primeiro jogo, o que prova falta de ideias em momentos que necessitam de outras “formas de atacar”.

 

Para o Americas Rugby Championship, o Brasil precisa de ter o scrum e o alinhamento bem aprimorado, pensar em jogar rápido e não manter a bola nos avançados por tanto tempo. Há que existir uma maior confiança no jogo ao largo, de arriscar um passe no contato e de ter noção que o trabalho não acaba quando entra no adversário.

 

Escrito por: Francisco Isaac

Foto de capa: Tárlis Schneider