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Qual é o esporte mais popular na África do Sul? O Futebol tem mais praticantes, o rugby maior audiência e capital. O futebol é o favorito dos negros, o rugby dos brancos, e o críquete dos indianos. Simples assim? Talvez nem tanto. Tenha mais informações sobre a prática esportiva na África do Sul, aqui no Blog do Rugby!
Durante os preparativos para a Copa do Mundo de Futebol lemos e ouvimos muitas coisas sobre a África do Sul, mas a mairia das informações que são passadas cometem alguns enganos ou estão incompletas.
Não vamos escrever aqui uma história da África do Sul, porque isso demandaria muitos artigos longos que, talvez, não fossem do maior interesse do nosso leitor. Contudo, algumas informações sobre os sul-africanos são importantes:
Primeiramente, quem são os Afrikanders? São holandeses? A África do Sul foi uma colônia holandesa?
Não exatamente. Afrikander é o nome moderno para Boer. Os Boers são os decendentes de holandeses, franceses, alemães e escandinavos que chegaram à África entre os séculos XVII e XVIII. Em sua maioria, tais imigrantes eram calvinistas que saíram de seus países quando a Contra-Reforma católica empreendia uma violenta perseguição aos protestantes. Em 1615, a VOC (Companhia das Índias Orientais da Holanda) instalou uma colônia na atual Cidade do Cabo. Mesmo desordenadamente, os holandeses cederam terras na região do Cabo aos novos colonos, não apenas holandeses, mas também de outras minorias religosas da Europa – a mais notável é a dos huguenotes franceses, o que explica os nomes franceses na seleção de rugby do país. Muitos judeus também se estabeleceram na região.
A lucratividade das fazendas do Cabo, que produziam produtos agrícolas para abastecer os navios que faziam o périplo africano (isto é, que navegavam do Oceano Atlântico ao Índico, dando a volta na África), aumentou progressivamente, e os colonos expandiram suas terras para o interior, fazendo guerra contra os povos Khoisan. O conflito de interesses entre a VOC e os colonos (chamados de burghers) no século XVIII se fez latente, com os burghers rompendo com a Companhia. A partir de então, os colonos empreenderam a primeira das treks, isto é, viagens ao interior do continente. Os descendentes de europeus que empreenderam tal movimento de expansão ao interior ficaram conhecidos como boers e, ao longo das várias treks, no século XVIII e no século XIX, colonizaram o que hoje são as regiões de Free State e Transvaal, no interior, e Natal, no litoral leste.
Em resumo, apenas por um curto espaço de tempo os imigrantes de origem européia mantiveram laços com a Europa. Seus descendentes romperam com o Velho Continente no século XVIII, fixando-se definitivamente no continente africano. Ao longo dos séculos de distanciamento da Europa, o idioma falado por essas pessoas se alterou muito, com o holandês, o francês e as línguas germânicas (dos séculos XVI e XVII, e não suas versões modernas) se misturaram, formando o atual idioma Afrikander. Por isso, os afrikanders nao podem ser têm vínculos com nenhum país europeu, e entendem a África como a terra natal de seus antepassados.
Os Boers, desligados da Europa, fundaram por todo o território que hoje é a África do Sul pequenas república independentes, conhecidas como Repúblicas Boers.
Ao longo das treks, houve miscigenação entre boers e africanos (na maioria khoisans). Na época da colônia holandesa, a VOC trouxe também muitos indianos, indonésios, malgaxes (populações de Madagascar) e africanos de outras regiões do continente para trabalhar como escravos ou como mão-de-obra barata. Tais populações também se miscigenaram com os europeus e descendentes, dando origem às populações hoje conhecidas como coloureds. Muitos desses mestiços organizaram-se politicamente como etnias à parte, devido ao preconceitos existente com relação a eles. Os coloureds, com isso, fundaram suas próprias repúblicas independentes, sendo a mais famosa a dos Griquas – que dão nome a uma importante equipe de rugby.
Os coloureds correspondem à maioria da população da região do Cabo, superando em número os negros e os brancos.
Em 1806, o Reino Unido tomou posse da colônia do Cabo, e iniciou sua colonização, com a ida progressiva, ao longo de todo o século XIX e início do XX de muitos cidadãos britânicos à África do Sul. As tensões entre britânicos e boers levaram a novas treks por parte de boers e coloureds. A expansão dessas populações ao interior também levou a inúmeras guerras entre ingleses e boers (as Guerras Boers, entre 1880 E 1881 E 1899 E 1902) e deles contra os africanos (as mais famosas são as Guerras Zulus, na segunda metade do século XIX). É bom lembrar que existem dezenas de povos africanos diferentes vivendo no país, o que impede falar em "povo africano". Há pelo menos duas famílias lingüísticas entre os sul-africanos negros: a Níger-Congo (Banto), da qual fazem parte as subfamílias Nguni (da qual faz parte o Zulu e o Xhosa) e Tshwana-Sotho (da qual faz parte o Tshwana, as línguas Sotho e o Ndebele); e a Khoisan, que corresponde a menos de 0,5% da população. Hoje, são 11 línguas oficiais no país, das quais 9 são do ramo banto.
Os ingleses também trouxeram um número muito grande de trabalhadores indianos e chineses para a África do Sul.
Em 1910, a Colônia do Cabo (britânica) e as colônias boers derrotadas nas Guerras Boers (Natal, Transvaal e Free State Orange) foram unificadas sob a Coroa Inglesa, dando origem à possessão inglesa da União Sul-Africana. Em 1931, veio a independência, por meio do Estatuto de Westminster. Em 1948, foi instituído o regime do Apartheid, com a ascensão do Partido Nacional, ultra-nacionalista boer, que ganhou depois o apoio de parte dos anglo-saxões. É bom lembrar que houve uma significativa oposição por parte de muitos brancos ao apartheid, não sendo um regime unânime entre afrikanders e anglo-saxões. Mas foi majoritário. O apartheid terminou oficialmente em 1994, história que o leitor deve bem conhecer. A África do Sul já havia sido readmitida nas competições esportivas em 1992, já que o aparato segregacionista do regime havia sido desmantelado entre 1990 e 1991.
Após o fim do apartheid, houve um êxodo muito grande de brancos, que continua até hoje. De cerca de 15% da popualação, em 1994, eles passaram para pouco mais de 9%, em 2010.
Muito portugueses se instalaram no país, sobretudo após 1975, quando as antigas colônia lusitanas de Angola e Moçambique obtiveram independência e mergulharam em guerras civis.São cerca de 300,000 portugueses e descendentes na África do Sul. Há também um pequeno número de imigrantes gregos.
Dados da África do Sul
População total: 49,320,000
Composição étnica da população:
Brancos (na maioria descendentes de britânicos, boers, portugueses e judeus): 9,1%
Indianos e chineses: 2,6% – são cerca de 100,000 chineses e descendentes e mais de 1 milhão de indianos e descendentes
Coloureds: 9%
Africanos (dezenas de povos diferentes): 79,3%
Mas e o esporte?
Os boers (afrikanders) adotaram rapidamente o rugby como seu principal esporte, permitindo-lhes derrotar seus rivais ingleses no campo esportivo, com um esporte que se adequava perfeitamente ao estilo de vida e à históia beligerante dos boers.
Os britânicos seguem a tradição anglo-saxônica: o rugby é o esporte de inverno, ao passo que o críquete de verão. Os dois esportes são igualmente populares entre os anglo-saxões da África do Sul.
Os coloureds praticam os três esportes, sendo que durante o apartheid, em algumas regiões, os coloureds podiam jogar rugby. Não por acaso, os Griquas são uma das mais importantes equipes do país.
Os indianos e descendentes têm ampla preferência pelo críquete, mas também jogam o futebol.
Os negros jogam majoritariamente o futebol, sendo que o rugby e o críquete foram vetados a eles por muitos anos. Com o tempo, começou uma lenta liberação para a prática dos dois esportes, sendo que no final da era do apartheid já havia uma união negra de rugby.
Hoje, o rugby union já é um dos esportes mais populares – senão o mais popular – entre a nova classe média e elite negra.
Havia quatro seleções suil-africanas de futebol: a branca, a negra, a coloured e a indiana.
No rugby, havia a seleção branca, os Springboks, e uma seleção coloured.
Números do esporte:
Futebol: 4,500,000 praticantes – censo da FIFA de 2006 – leva em conta todos os tipos de praticantes regulares, não apenas os federados
Rugby Union: 488,044 jogadores – dados do website do IRB – apenas jogadores federados – não leva em conta os praticantes ocasionais
Número de clubes cadastrados de Rugby Union: 1,234
Número de clubes cadastrados de futebol: 2,025
Média de público dos times do Super 14 (rugby union, 5 times sul-africanos): 27,345 pessoas por jogo* – edição de 2010, contando apenas os jogos na África do Sul
Média de público dos times da Currie Cup Premier Division (rugby union, 8 times): 11,433 pessoas por jogo – edição de 2004, último ano com todos os públicos de todos os jogos completos que achei
Média de público dos times da Premier Soccer League (futebol, 16 times): 7,526 pessoas por jogo – temporada 2009/10
Média de público dos time do Standard Bank Pro20 Series (críquete, 6 times): 6,356 pessoas por jogo – edição de 2009
Obs1: cada campeonato tem um número diferente de partidas, sendo que o público total (todas as partidas somadas) de um campeonato com média de público menor pode ser maior que o total de um campeonato com média de público maior. Contudo, esse dado pode ser enganoso, uma vez que nada indica que uma quanto mais uma equipe jogue menor será o seu público; e o mesmo para o inverso. Não são números que variem igualmente.
Obs2: Bulls, Stormers e Sharks têm médias de público superiores a 30,000 pessoas por jogo, mas Cheetahs e, sobretudo, Lions jogam a média para baixo, devido ao fraco desempenho de ambos.
Conclusão:
O rugby é o esporte mais rico e mais assistidos da África do Sul, mas não é o mais praticado. Os números brutos de jogadores de rugby e de futebol são relativamente próximos aos percentuais das populações brancas e negras. Se levarmos em conta que muitos brancos preferem praticar o críquete e que os coloureds se dividem entre os esportes, chegamos a um número realmente próximos à demografia étnica. Desde o fim do apartheid, os negros vem cada vez mais jogando o rugby, ao passo que o futebol – ao menos antes da Copa do Mundo – nunca conseguiu inverter a preferência esportiva dos negros, sobretudo entre aqueles que ascenderam socialmente. Do lado do rugby, o sucesso da seleção nacional é o grande atrativo para trazer os negros ao esporte, enquanto as transmissões da Premier League inglesa (futebol) e, agora, a Copa do Mundo podem ser um atrativo para expandir o futebol no país.
Opinião pessoal: Por enquanto, a balança pesa favoravelmente ao rugby. Prova disso: o aumento significativo dos jogadores negros nos Spirngboks. O sucesso presente e futuro dos Boks, em oposição à pouca perspectiva dos Bafana-bafana (seleção de futebol) vem contribuindo e pode continuar a contribuir no futuro para a expansão do rugby entre os negros. Por ora, o futebol ainda é mais praticado.