Tempo de leitura: 6 minutos
ARTIGO OPINATIVO – A coluna opinativa Fair Play, de Francisco Isaac, abordará hoje as possibilidades de novas competições mundiais que a eleição do World Rugby pode trazer. Confira!
____
E os Crusaders revalidam o seu título de Campeões do Mundo de Clubes, à frente de 50 mil pessoas aqui no magnífico Parc des Princes em Paris!… esta seria uma das possíveis variáveis de frase de encerramento de cobertura da final da Liga Mundial de Clubes ou Campeonato do Mundo de Clubes, uma ideia formulada e proposta por Bernard Laporte no decorrer do ano de 2020, numa tentativa de criar uma nova competição que crie outra dinâmica no Planeta da Oval.
Um torneio em que as melhores equipas mundiais se juntassem para lutar pelo troféu, um cash prize de alto nível e a possibilidade de subir os ratings na transmissão televisiva da modalidade, podem ser elementos mais que suficientes para começar a empurrar as federações e ligas na direcção de criar algo inovador, que o futebol não faz questão de dar grande importância, mas que modalidades como o voleibol têm usado para subir a sua popularidade e importância dos clubes no fomento da visibilidade dessa modalidade. Não há dúvidas que neste momento a possibilidade de ter um Mundial de Clubes é ainda um sonho, mas o facto do presidente de uma das principais federações do rugby mundial ter promovido não só a discussão mas a possibilidade real de se encaixar este tipo de torneio no já confuso e instável calendário internacional da oval, é sinal de que algo novo poderá estar perto de se concretizar.
Contudo, tirando a parte do espectáculo de vermos os melhores clubes a lutar entre si, será que economicamente este “projecto” seria interessante e viável para o rugby? E a nível de exigência física para os jogadores, treinadores e restante staff técnico? No que concerne à economia e ao fomento de riqueza provindo de uma Liga de Clubes / Mundial de Clubes, depende muito de como o produto é vendido, sendo claramente este o “segredo” para que se chegue a um bom porto no que concerne a convencer federações e direcções de campeonatos a ceder períodos de tempo do seu calendário para que 1 ou 2 equipas participem nesta competição.
Pegando no exemplo algo irrealista da Liga dos Campeões de futebol, o produto foi extremamente bem trabalhado nos últimos 25 anos conseguindo tornar aquilo que era uma competição até “curta” (eliminatórias e só entre campeões e vice-campeões das principais ligas europeias) para algo mais longo mas que tem um impacto titânico nos shares de audiência a nível anual.
O Mundial de Clubes de voleibol é outro sucesso adquirido dos desportos colectivos, já que regressou em força em 2009 depois de 17 anos de paragem, tendo aumentado o interesse de investidores numa competição de uma modalidade que nem é das que tem mais importância a nível de expansão global – entre o top-3 em alguns países, mas nem no top-5 em vários outros -, garantindo assim um crescimento interessante e de qualidade.
A Liga dos Campeões e a EuroLeague, ambas do Basketball, são outro bons exemplos de como um produto fora do “universo” do futebol tem sido considerado dos mais apetecíveis em termos de cativação de novos investidores, tanto para as equipas ou mesmo para as transmissões televisivas, mostrando um crescimento auspicioso como mostram os números de 2018/2019 em que 1,3 biliões de pessoas seguiram toda a competição pela TV e mais 1,8 biliões seguiu via web (seja em artigos, highlights, etc), posicionando-se como um dos eventos mundiais mais acompanhados – fora do espaço dos EUA.
Ou seja, os números provam que uma competição de clubes não tem só validade como gera um fluxo de receita intenso, mas depende claramente da forma como o produto é trabalhado, transformado e vendido. A Champions Cup tem sido, por exemplo, uma competição mal pensada na comunicação, preocupando-se só única e exclusivamente com os adeptos europeus que já estão completamente imersos na modalidade, esquecendo-se quem está menos ligado aos emblemas do Velho Continente, não sendo também uma comunicação activa, clara e cromaticamente atractiva.
Já no Hemisfério Sul, o Super Rugby apesar de todos os seus males e problemas estruturais, é uma competição que facilmente vende enquanto produto para as televisões, é altamente seguida no Youtube (se quiserem comparar vejam a diferença entre ambos no número de visualizações por vídeo, Champions Cup e Super Rugby), Instagram e Facebook – e tem o problema de que existem três páginas diferentes da competição, com a Nova Zelândia e Austrália a terem as suas próprias páginas de Super Rugby devido a terem investidores para os seus jogos a nível interno -, elevando-se ao nível da competição de clubes mais apaixonante da modalidade.
Ajuda claro o facto do Super Rugby ter um rugby mais efusivo e de grande entusiasmo, seja pelo virtuosismo e excentricidade dos neozelandeses, a garra e intensidade dos sul-africanos ou a loucura e estrutura dos australianos, sem esquecer a raça e espírito de luta dos argentinos dos Jaguares.
Por isso, era fundamental que em caso que esta Liga Mundial de Clubes ou Campeonato do Mundo de Clubes consiga ver a luz do dia, haja uma libertação da forma como o rugby europeu faz a comunicação da modalidade e se possibilite olhar para pormenores mais dinâmicos, apaixonantes e ritmados. Ter a estrutura e capacidade organizacional do Hemisfério Norte e a comunicação e estilo do Hemisfério Sul, esta seria um princípio para se ter uma competição nova do rugby mundial de qualidade.
Outro dos problemas à realização desta competição é a sua extensão no calendário: quantos semanas precisa para chegar do primeiro ao último jogo? Viagens constantes ou há uma espécie de liga regional ou entre hemisférios para apurar finalistas? E quem efectivamente participa? Imaginemos então alguns cenários a começar pelos participantes num Mundial de Clubes a realizar em 2021. Os campeões da Premiership, Top14, PRO14, Heineken Champions Cup, Super Rugby (um por cada conferência, ou seja 3), Major League Rugby (sim, o campeão dos Estados Unidos da América poderá parecer estranho em estar envolvido, mas a verdade é que seria um veículo de aumento de interesse para o público dos States) e Top League (ou a futura nova competição interna japonesa), tendo assim 9 emblemas numa primeira leva. podendo ainda atribuir mais 3, 5 ou 9 vagas de acordo com as necessidades da competições.
Se optarmos por uma Liga Mundial de Clubes jogada a uma volta só (round-robin em inglês) e escolhermos 12 equipas para participarem, precisamos cerca de 11/12 semanas para chegarmos à conclusão dos jogos, ou seja, 3 meses mais precisamente, implicando desde logo uma alteração profunda nos calendários dos clubes europeus e mínima no Hemisfério Sul e restantes. Todavia, outro possível formato requereria menos semanas de competição e ofereceria, por outro lado, uma intensidade e emotividade maior: eliminatórias.
Escolhendo 16 equipas para comporem estes 16-avos-de-final, começamos com apenas jogo de uma mão só, abrindo para duas a partir das meias-finais, incluído na final. Isto significa, seis semanas expandidas num máximo de dois meses, algo que força novamente um limar dos calendários de ambos os Hemisférios – caso fique tudo só reservado a jogos de uma eliminatória, então diminui para quatro semanas o tempo de realização da prova.
Por isso, equipas apuradas através de certas competições, dois ou três hipotéticos formatos e agora o calendário… quando? É essencialmente o maior desafio de todos, já que força a todas as ligas alterarem por completo as suas datas de começo ou encerramento dos campeonatos nacionais/continentais. No caso do Super Rugby – passará para 15 franquias em 2021, por via da saída dos Sunwolves -, a temporada deveria começar no primeiro fim-de-semana de Janeiro (pré-época em Novembro/Dezembro) para acabar o mais tardar no fim de Maio, possibilitando Junho e Julho para a realização de uma equipa competição supra-internacional (o problema fica no facto da selecções do Hemisfério Sul necessitarem dos seus atletas a partir de Julho para preparar o Rugby Championship). Já na Europa ou MLR, há a necessidade de cortar alguns fins-de-semana de paragem – normalmente acontecem durante as Seis Nações – e de até começar a época ligeiramente mais cedo, de modo a que terminem em Maio, existindo aqui a questão do TOP14, PRO1 ou Premiership terem as suas finais a 20 de Junho (isto em 2020).
Por isso, caberia à World Rugby, federações e ligas encontrar uma solução para encaixar o Campeonato do Mundo de Clubes ou Liga Mundial num já exaustivo calendário da modalidade, especialmente para os jogadores europeus que padecem de uma temporada demasiado extensa e que já levantou cercas preocupações da parte da Associação de Jogadores Profissionais de Rugby, estando em causa os tempos de descanso e recuperação dos atletas.
Há uma série de outras questões (viagens, os custos altos em viajar entre continentes… ou reservar a competição toda para se realizar num só espaço territorial, o que poderia resultar em fracasso caso as horas dos jogos fossem nocivas para os países envolvidos e não só, como acontece com o Super Rugby), pormenores e até formatos de competição – desde ser como o Campeonato do Mundo de Selecções ou realizar-se no início ou a meio da época, como acontece em outras modalidades – mas a verdade é que um Mundial de Clubes poderia dar outra dicotomia ao Planeta da Oval, oferecendo uma selecção mais variada aos adeptos 100% ou não comprometidos com o rugby. Mas será que é possível todas as entidades chegarem a um consenso e olhar para esta potencial competição como algo válido e positivo?