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ARTIGO OPINATIVO – Já não há imbatíveis, com os Crusaders a derraparem em casa, algo que não acontecia desde 2016, possibilitando aos Hurricanes e Blues a sonharem com a conquista do Super Rugby Aotearoa, apesar dos tricampeões ainda dependerem totalmente de si para levantar o título!
“Ups”: Rush Hurricanes defense + Welcome Back, Beauden Barrett!
Foi um dos encontros mais sensacionais dos últimos anos do Super Rugby, tanto pela exibição estrondosa dos Crusaders no ataque que é facilmente provado pelos 611 metros conquistados, como pela bela execução de jogadas dos Hurricanes, visto em qualquer um dos ensaios de Wes Goosen. Este ping pong ofensivo insuflou a contenda para dimensões titânicas, que acabou por pender para a franquia de Wellington, que aguentou aquele arranque de Will Jordan para garantir uma vitória emotiva e que relançou por completo a competição, isto e apesar dos Crusaders terem só de ganhar todos os seus jogos até ao fim para consumar mais um título. Portanto, como é que os Hurricanes foram capazes de sair de Christchurch com os 4 pontos? Entre os vários factores e possíveis explicações, há dois elementos a merecer uma total atenção: capacidade em mover a bola entre unidades até chegar a zonas avançadas do terreno e uma defesa desperta, agressiva e rápida a fechar opções.
As combinações no aparelho ofensivo abriram um mundo de oportunidades de ensaio, que por três ocasiões resultaram em ensaio e todos sustentados dentro da mesma lógica de segurança, avanço sustentado/apoiado e capacidade de circulação imprevisível para a defesa contrária. Foram jogadas e manobras simples, mas eficientes, dando uma elasticidade e agilidade penetrante que encontrou bons caminhos para criar desequilíbrios na muralha defensiva dos Crusaders, com TJ Perenara, Ngani Laumape e Peter Umaga-Jensen a serem bons veículos para a circulação da oval. Mas o aspecto fulcral que foi alimentando a confiança dos Hurricanes, esteve na capacidade defensiva de pressionar o ataque dos Crusaders e de limitar as opções de Richie Mo’unga e, principalmente, Jack Goodhue de darem outra mobilidade à sua equipa.
Sim, o abertura dos saders foi extraordinário a nível individual, movendo-se e fugindo de placadores, abrindo espaços e criando quebras-de-linha estonteantes, mas foram poucos os passes letais esboçados, pois a defesa dos ‘canes foi fechando o corredor interior e/ou exterior, maniantando as possibilidades de se seguir uma combo perigoso, e a exemplo disso foi a placagem de Ben Lam (fez o último jogo no rugby neozelandês, emigrando já para França) aos 56 minutos.
A rush defence foi destabilizando a estratégia ofensiva de Scott Robertson, limitando as opções durante largos períodos de jogo, isto criando uma pressão extra na cabeça dos jogadores dos Crusaders, que viram os seus adversários saber impor um alto ritmo físico constante. Mas esta estratégia de Jason Holland, treinador dos Hurricanes, só correu bem porque a sua defesa foi eficaz na placagem e no breakdown onde importava, nos 25 metros defensivos. Depois de uma boa exibição em casa frente aos Blues, seguiu-se esta prestação de qualidade em casa dos Crusaders, podendo levá-los a sonhar com algo mais que um 2º lugar nesta temporada.
Os Blues regressaram às vitórias e ao 2º lugar, depois de terem aguentado uns últimos 5 minutos a jogar com 14 e a “sofrer” constantes entradas dos Chiefs, que acabariam por sair de Auckland só com o ponto de bónus defensivo. A capacidade de manter o foco e de apresentar uma atitude agressiva na defesa impediu o ensaio da reviravolta para a formação treinada por Warren Gatland, sendo uma das pedras-basilares para o retorno dos Blues às conquistas, depois de duas semanas a sofrer derrotas, notando-se especialmente algumas diferenças no aspecto ofensivo, isto devido à introdução de Beauden Barrett como médio-de-abertura.
Para quem afirmava que Otere Black estava a realizar um bom serviço nesta posição (é só notar que mal entrou sentiu-se uma queda abrupta no processo de ataque da equipa), depois de ver esta exibição de Beauden Barrett terá de se remeter a um período de reflexão, já que a diferença entre um e o outro não é só notória como abismal, tendo os Blues parecido uma equipa completamente diferente com a bola em seu poder, tentando impor não só outra velocidade nas acções colectivas como forçar constantes quebras-de-linha ou tackle busts para depois se seguir uma saída em rompante até uma fase mais adiantada do terreno de jogo.
Rever Beauden Barrett na sua melhor posição (sim, pode ter começado a jogar a 15, mas foi a 10 que atingiu o máximo das suas faculdades) é entender o que a franquia de Auckland pode ganhar ao tê-lo a desempenhar essas funções, de ser o first receiver, de coordenar constantemente o ataque de ter a primazia de poder atacar a bola do que ficar à sua espera mais atrás. Leon McDonald viu a sua equipa a apresentar outra dimensão na componente ofensiva, onde se assistiram a boas variações de jogadas entre Rieko Ioane (castigou sempre quem estava à sua frente, conseguindo várias vezes superar a linha-de-vantagem), Matt Duffie e Caleb Clarke, com Beauden Barrett a permitir os Blues de encarar o ataque com mais confiança e assertividade.
O capricho de Beauden Barrett no início da jogada do 2º ensaio dos Blues (1:29)
“Downs”: o problema dos Chiefs começa no ataque ou na defesa?
Foi mais uma derrota pesarosa para os Chiefs, pois se tivessem conseguido aquele ensaio aos 80 minutos não seria errado admitir o mérito da sua vitória. Contudo, depois de terem recuperado de um par de socos iniciais dos Blues, impondo até algum domínio durante os 20 e 35 minutos da primeira-parte e os primeiros 10 minutos da segunda metade do encontro, caíram de rendimento e foram vítimas daquele bullying físico que o elenco de Auckland tanto gosta de aplicar, forçando a erros no contacto, recuos no terreno e decisões mal formatadas.
A equipa pareceu mais compacta e equilibrada, demonstrando uma inteligência aguda na luta no ruck, onde viraram quatro bolas a seu favor, mas a sequência nunca foi a ideal seja porque apostaram mal na penalidade, onde por três ocasiões a bola não saiu de dentro das quatro-linhas ou perderam a oval na sequência da jogada seguinte.
É notória a crise de confiança dos Chiefs, duvidando quando menos devem do seu processo e estratégia, com isto a forçar a Damian McKenzie “inventar” algo num par de segundos ou a pressionar Brad Webber para desenhar uma jogada que nunca foi possível de criar, complicando várias vezes o que era simples e a pecar na concentração quando se pedia foco total. Os Chiefs têm uma equipa forte, recheada de atletas que podem derrubar qualquer outra franquia neozelandesa, tendo mesmo estado perto disso contra os Crusaders, Highlanders e Blues. Porém, falta o factor X, falta a estabilidade emocional para acreditar que podem não só ganhar como até superar tudo e todos no Aotearoa, sendo que o grande objectivo neste momento é fugir ao último lugar da competição.
Os craques: Mo’unga, Umaga-Jensen, Tu’ungafasi e Alaimalo
Pode não ter sido capaz de levar os seus Crusaders à vitória, mas não foi por Richie Mo’unga que isso não aconteceu, seja pela quantidade alarmante de metros conquistada (100), perfurações na linha (4) ou a “dança” que tirou 11 adversários da sua frente, destabilizando a defesa dos Hurricanes.
Jordie Barrett foi fulcral na conversão dos pontapés, mas não se pode não destacar a exibição de Peter Umaga-Jensen, com o centro a rubricar uma excelente exibição pela segunda semana, movendo-se bem no contacto, impondo sempre um ritmo alto e predisposto para criar constantes problemas, responsável por um ensaio e uma assistência na vitória dos Hurricanes.
Dos Blues poderíamos e deveríamos destacar Beauden Barrett, Rieko Ioane ou Akira Ioane, mas há um jogador que merece todas as salvas e honras nesta ronda: Ofa Tu’ungafasi. O pilar está numa forma soberba, com uma durabilidade contínua e uma categoria tanto na arte de placar (aquela placagem a Aaron Cruden na 2ª parte foi de alto nível) como em atacar, onde ganhou 20 metros e bateu 3 defesas pelo caminho.
Do lado dos Chiefs é Solomon Alaimalo a merecer a nomeação, com o ponta a conferir um perigo constante na ponta esquerda, sempre pronto para fazer um novo pico de aceleração espectacular e polvilhado de magia. Fez 80 metros, bateu 4 defesas, foi capaz de quebrar-a-linha por duas ocasiões e coroou a exibição com um ensaio, que acabou por forçá-lo a sair por lesão.
Os números
Mais pontos marcados: Jordie Barrett (Hurricanes) – 19 pontos
Mais ensaios marcados: Wes Goosen (Hurricanes) – 2
Mais quebras-de-linha: Sevu Reece (Crusaders) e Richie Mo’unga (Crusaders) – 4
Mais placagens: Tevita Mafileo (Hurricanes) – 16 (15 efectivas)
Mais turnovers: Lachlan Boshier (Chiefs) – 2
Mais defesas batidos: Richie Mo’unga (Crusaders) – 11
Melhor da Jornada: Peter Umaga Jansen (Hurricanes)
Ensaio de Umaga-Jensen (3:29)