Foto: WALLABIES

Tempo de leitura: 6 minutos

Caótico, destrutivo, imprevisível, fisicamente esgotante e, no fim, saboroso para os Wallabies que conquistaram a sua primeira vitória frente aos All Blacks do reinado de Dave Rennie, impondo também a primeira derrota de Ian Foster ao serviço da seleção neozelandesa. Num jogo que terminou com 2 pontos de diferença (e dois cartões vermelhos), a Austrália acabou por ser mais competente nos momentos capitais para voltar a sonhar com o título das Tri Nations 2020!

Melhor jogador: Marika Koroibete (Austrália)

Não marcou qualquer try, nem desenhou nenhuma assistência ou foi capaz de quebrar a linha de defesa, mas foi o jogador que mais lutou no lado da Austrália e não há dúvidas que aquele último grande tackle a Damian McKenzie vai ser relembrada nos próximos tempos. O ponta dos Wallabies terminou o encontro com números pouco expressivos ou de alto relevo, como mostramos: 6 tackles efetivos e 3 perdidos, 82 metros conquistados, 0 quebras de linha, 3 defensores batidos, 0 tries, 4 tackle busts, 1 turnover e 1 cartão amarelo. Porém, para quem viu o jogo, sabe que três daqueles seis tackles efetivos foram try savers, ou seja, salvaram a Austrália de um try iminente dos All Blacks, capturando o adversário quando este se preparava para mergulhar e carimbar os 5 pontos e estas situações aconteceram com Sevu Reece por duas ocasiões e noutra a Jordie Barrett, sendo fundamental a intervenção quase divina de Koroibete num embate disputado até ao limite.

- Continua depois da publicidade -

Há ainda um elemento essencial que marcou esta a prestação de Marika Koroibete e que não pode ser de forma alguma esquecido… a força de acreditar. O nº14 foi a imagem de quem queria mais, que não via impossíveis, de constante luta, de um espírito imponente e inspiracional de aguentar a intensidade de jogo mesmo quando tudo parecia caótico e desorganizado, inspirando os seus colegas ao ponto destes se alimentarem do papel de Koroibete e seguirem o mesmo exemplo.

É decididamente um jogador que procura não ser uma referência do rugby mundial mas sim uma lenda nos Wallabies, de quem está completamente comprometido com o seu papel de jogador, exemplo e líder (não é capitão, todavia não precisa dessa nomenclatura para ser visto como tal) e merece a vénia de tudo e todos após ter capturado 4 pontos aos All Blacks.

The tackling machine: Sam Cane (Nova Zelândia)

Não foi tão perfeito como nos encontros anteriores, falhando dois tackles em 15 tentativas, contudo manteve a mesma dose de fisicalidade em todos os setores, forçando até erros da Austrália na saída de bola no scrum (uma intercepção) ou a fechar com excelência junto do alinhamento, sem esquecer as vezes que surgiu no apoio ao tacleador para impedir qualquer ideia mais arriscada dos seu adversário.

O domínio que continua a ter no breakdown foi importante na 1ª parte e início da 2ª, criando um certo caos à limpeza do ruck dos Wallabies e isto forçou problemas na velocidade de jogo, com Nic White a consentir demasiadas falhas o que prejudicou a qualidade do ataque australiano. Depois de quase 70 minutos a jogar com menos um jogador, a queda anímica e física de Sam Cane era esperada, mas foi indiscutivelmente o enforcer dos All Blacks e quem melhor tackle impôs, mesmo tendo terminado derrotado no final.

O melhor treinador: nenhum

Os dois cartões vermelhos não ajudaram em nada à qualidade de jogo, com poucos grandes lances a ficarem na retina com a arrancada de Taniela Tupou ou a construção do try de Tupou Vaa’i dos All Blacks a serem dois raros exemplos de um marasmo caótico influenciado tanto pela indisciplina de ambas as seleções, como pela atuação desmedida e por vezes ilógica de Nic Berry, o árbitro do encontro. Mas fugindo às questões de arbitragem, o importante é vincar a qualidade pálida exibicional tanto na defesa como ataque dos All Blacks ou Wallabies e comecemos pelos neozelandeses. Foster entregou a camisola 10 a Beauden Barrett e esperaria-se uma estratégia algo similar ao que aconteceu no encontro anterior, com um sentido de risco de categoria e estimulante, sustentado por uma base de apoio de soberba qualidade na forma da participação de Ngani Laumape e Anton Lienert-Brown.

Porém, o abertura ficou agarrado a um papel de apenas movimentador da oval, com a imposição de fazer uso do pontapé (por vezes de forma excessiva) e de pouca procura de espaços, apesar de Beauden Barrett tê-lo tentado em algumas raras ocasiões. As excessivas alterações operadas pareceram bem até ao cartão vermelho de Ofa Tu’ungafasi, já que até esse lance, ocorrido aos 23 minutos, a Nova Zelândia estava praticamente “acampada” dentro do meio-campo dos Wallabies, praticando um jogo paciente e de inteligência, com a Austrália a recuar centímetros a cada nova arrancada dos seus adversários. Contudo, mal se deu o primeiro problema (o vermelho) todo o sistema de jogo idealizado por Ian Foster caiu e observou-se a uma manobra menos certa e eficaz, de tentativa de recuperar a oval a partir do jogo ao pé ou de fazer mossa pelo maul dinâmico, como se viu naqueles 10 minutos antes do intervalo.

A segunda metade do jogo já foi praticamente um caos absoluto, especialmente na segurança da posse de bola com os neozelandeses a cometerem demasiados erros de transmissão de bola (um detalhe anormal por assim dizer) ou de apoio ao portador da oval, consentindo penalidades em excesso e recuando quando pareciam estar a ganhar alguma vantagem mental. A derrota acabou por acontecer e marca negativamente esta janela de jogos internacionais dos All Blacks. Já Dave Rennie esteve menos mal que o seu rival, mas mesmo assim a seleção australiana foi demasiado fraca em certos setores, seja no contestar do maul dinâmico, na movimentação de bola entre as unidades das linhas atrasadas ou na procura do risco, tendo tido alguma sorte no que toca à maneira como guardaram a oval dentro do ruck com algumas penalidades a escaparem aos olhos de Nic Berry (mergulhos intencionais, agarrões constantes, etc).

Quando a Austrália explorou pela via do risco fez pontos, e exemplo disso é o try de Tom Wright que adveio de um pontapé improvável de Reece Hodge que apanhou o três-de-trás da Nova Zelândia completamente desprevenido e deveria ter acontecido bem mais durante o duelo frente aos seus arquirrivais, especialmente quando tinham mais uma unidade dentro de campo. Ambos selecionadores cometeram erros e deixaram que os seus jogadores se entregassem a exibições demasiado maçantes, físicas e “pobres” em termos de espetáculo ou de rugby inovador.

 

Duas equipes perdidas sobre as regras

Austrália e Nova Zelândia ofereceram um jogo emotivo, mas pouco espetacular e que por vezes entrou numa agressividade algo desmedida e desnecessária, com Nic Berry e a sua equipe de arbitragem a terem pouca “mão”, mesmo depois de terem tentado impor a lei com o cartão vermelho mostrado a Ofa Tu’ungafasi.

As três equipes foram erráticas, conseguiram ter momentos bastante bons, mas no geral assistiu-se a uma desorganização ou falha de qualidade em parâmetros que poucos adeptos esperavam, sejam os erros de passe ou manutenção de bola nos All Blacks, na fragilidade do alinhamento e maul da Austrália ou na fraca leitura de lances pontuais – nenhum capital, já que os cartões vermelhos podem ter sido “forçados” pela lei do protocolo da World Rugby, apesar do que foi dado ao pilar da Nova Zelândia ter dois fatores mitigadores que não foram tomados em atenção, como a aplicação dos braços no adversário e o facto de Tom Wright estar em desequilíbrio no momento em que choca – como o deixar jogar quase 30 segundos depois de se ter dado um claro avant ou não ter sido capaz de ver uma única vez o neck lock de Harry Wilson (o n.º8 fez isto constantemente a partir de maul) ou os neck rolls no ruck.

Um embate demasiado estranho, atribulado, deselegante e que marca o fim dos embates entre Wallabies e All Blacks em 2020, com a Nova Zelândia a sair com o saldo positivo, apesar de termos assistido à ressurreição da Austrália pelo engenho e arte de Dave Rennie e as novas gerações que já estão a deixar marca no rugby australiano.

Números

Mais metros conquistados: Marika Koroibete (Austrália) – 85 metros;
Mais tackles: Michael Hooper (Austrália) – 14 (5 perdidos);
Mais turnovers: Vários – 1;
Melhor marcador de tries: Vários – 1;
Mais defensores batidos: Sevu Reece – 6;
MVP do Fair Play: Marika Koroibete (Austrália)