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ARTIGO OPINATIVO – Chegou finalmente o dia em que a CVC Capital Partners detém, praticamente, uma percentagem nas principais ligas/competições de rugby do Mundo, tendo adquirido 14% das Seis Nações, depois de já ter comprado parte dos direitos da Premiership e PRO14, estando em negociações avançadas para também obter uma parte do rugby australiano e neozelandês, e isto poderá significar uma mudança total na modalidade, para o melhor e pior, dependendo dos pontos de vista.
A CVC, fundo de investimentos, ficou bem conhecida no desporto por ter controlado a Fórmula 1 durante mais de 11 anos, espremendo a classe-rainha do automobilismo até ao tutano, de forma a não só garantir um retorno do investimento inicial, como forçar uma obtenção de lucro extraordinária, tendo obtido mais de 3,5 bilhões de libras/euros de retorno econômico, depois de terem comprado os direitos em 2006 por cerca de 1,4 bilhões de libras/euros, o que lhes valeu na altura total controlo da F1. Um negócio estupendo e magistral para a CVC, mas nem por isso para este desporto automóvel que perdeu qualidade no geral, seja no “desaparecimento” ou empobrecimento das pistas mais clássicas do circuito anual da Formula 1 – Monza e Silverstone estiveram no precipício de anunciar insolvência -, para além de ter fechado a “torneira” da transmissão em sinal aberto em todo o Mundo, o que levou à queda no número de entusiastas e de espectadores, forçando drásticas mudanças nas equipas, pois a maioria das escudarias lutaram pela sua sobrevivência durante esta década de controlo do fundo de investimentos.
Poucos foram os que se manifestaram contra o domínio da CVC na Fórmula 1, como foi o caso de Bob Fernley, delegado da Force India entre 2009-2018 (trabalha atualmente na direção da FIA), que classificou a ação do fundo de investimentos como “demolidor” e “violação total dos direitos quer das equipas, adeptos ou do desporto em si”, com os próprios pilotos em 2016 a lançar uma carta (assinada por Lewis Hamilton, Sebastian Vettel, entre outros) a criticar a maneira como a direção imposta pela CVC na F1 era não só obsoleta como nociva para o crescimento deste desporto.
Bernie Ecclestone, uma figura particularmente odiada pela maior parte das equipas participantes na F1, acabou por ser destituído do cargo de diretor de operações da F1, quando a Liberty Media adquiriu a modalidade a troco de 8 bilhões de libras/euros, pondo fim a um dos capítulos mais cinzentos desta categoria dos bólides.
Contudo, a herança da CVC Capital Partners ainda hoje se faz sentir, com a atual direção a realizar uma missão quase impossível de resgatar o orgulho e prestígio da F1, ao mesmo tempo que tenta chegar aos adeptos mais jovens que foram completamente descartados por Bernie Ecclestone e o fundo de investimentos, sentindo-se uma total ausência de trabalho a nível de propaganda ou promoção da marca, sem cuidado no estimular ou desenvolver uma oferta interessante nas redes sociais (para o mal ou bem é um dos canais principais de informação nos dias que correm) e que o fã ou espectador nada importava para a equação. Veja-se que entre 2010 e 2016, a Formula 1 perdeu mais de 8-15 milhões de espectadores por ano, apesar de ter recuperado residualmente a partir de 2018 com a média atual de viewership a estar nos 80 milhões por corrida, um número ainda assim minimamente abaixo das expectativas, quando se trata de um dos eventos magnos da grelha de desporto mundial.
Embora este retrocesso no número de espectadores seja um problema preocupante para o futuro da maior prova de automobilismo mundial, as redes sociais e os conteúdos digitais melhoraram significativamente desde que a CVC desapareceu do “mapa”, com o número atual de seguidores a ser de 5,2/12/10 milhões na página oficial no twitter/instagram/facebook, com uma criação de engagement ativa e de qualidade, depois de anos de estagnação e sem uma estratégia minimamente apelativa. Em suma, a Formula 1 foi utilizada pela CVC como um mecanismo para fazer dinheiro de forma desafogada e sem precedentes, onde o investimento foi colocado 90% na compra dos direitos, com os restantes 10% a serem alocados na busca incessante pelo de lucro intenso, de corte de relações com as massas apoiantes e de venda dos conteúdos para plataformas de streaming ou “fechadas”, revelando uma ausência de estratégia a nível de redes sociais, de cooperação com as equipas ou de comunicação com o Mundo.
Por isso, não são nada boas perspectivas para o rugby, caso a CVC opte pelo mesmo pensamento, estratégia e aproveitamento de uma modalidade. O rugby tem, conhecidamente, problemas em mostrar uma estratégia coletiva e que faça, onde o autismo das federações no que toca ouvir os adeptos ou jogadores, encontra uma posição arcaica em vários departamentos, como a comunicação, comercial, marketing, administrativo, o que dificulta a expansão da modalidade à escala global.
A arrogância emanada pela elite que controla o rugby, tem criado uma série de problemas para o seu crescimento, a começar pela instabilidade nas transmissões – veja-se que o Super Rugby Aotearoa deixou de constar na SkySports para ficar nas mãos do RugbyPass, sem esquecer o Super Rugby que passará a dar em direto em sinal aberto na World Rugby -, na construção de um calendário anual coerente ou no conseguir ser coerente nas regras de jogo no espaço de dois anos (árbitros, atletas e treinadores têm sentido dificuldades na adaptação das regras, para além de dar uma imagem amadora, que ao tentar resolver problemas, cria outras novas questões), abrindo dúvidas em relação ao futuro. A entrada da CVC Capital Partners poderá ajudar o rugby como negócio, mas muito possivelmente terá a capacidade de originar problemas com o público, atletas e algumas instituições, uma vez que já demonstrou não querer saber de quem segue toda a panóplia de jogos desta modalidade.
A necessidade louca por garantir novos fundos e investimento poderá ser uma faca de dois gumes, pois no desespero, as federações do Hemisfério Norte e Sul e as entidades que detêm alguns dos torneios mais conhecidos – caso das Seis Nações ou Rugby Championship – podem vergar perante as vontades e desejos da CVC, que num primeiro instante só deverá rentabilizar com a venda dos direitos de transmissão de jogos e gestão de bilheteira, passando depois para um plano estratégico de mudança de torneios, edificação de novos, o que poderá iniciar uma disputa de poder contra a World Rugby, caso esta não ceda perante o plano do fundo de investimentos para o rugby.
Um exemplo dos problemas que a CVC pode já formular passa pelo fim da Liga Mundial, competição idealizada pela World Rugby junto de algumas federações, com o fundo de investimentos a poder ter outras ideias para o futuro, como a constituição de um projeto rival que pelo simples fato de poder render mais fundos às federações, poderá ser considerado como preferencial em contraponto com o da WR. No mesmo sentido, levantam-se perguntas em relação ao Mundial de Clubes, ao prolongamento dos campeonatos, à formatação da Heineken Cup ou até dos Super Rugby do Sul, em que a falta de união entre as várias federações que fazem ramalhete do rugby mundial, pode facilitar a entrada da CVC em diferentes locais, elaborando modelos e regras a seu bel-prazer, criando assim um pólo de domínio novo dentro de uma modalidade já por si extremamente dispersa e fragmentada.
A expressão “nem tudo o que brilha é ouro” aplica-se na perfeição à situação das forças do rugby perante a oferta de investimento da CVC Capital Partners, que mesmo sem estarem dentro da modalidade, têm noção de como controlar, dominar e absorver tudo o que há de bom, sem se importar em trazer elementos positivos e que permitam uma evolução crescente e auspiciosa à comunidade da bola oval. Todavia, é evidente que o rugby apresenta problemas preocupantes em termos de aceitação consigo mesmo, desde federações com uma comunicação antiquada e que afasta adeptos (o amadorismo excessivo ou o falso profissionalismo nas equipas de comunicação é um fator supra negativo), ao ataque constante dos detentores dos direitos das ligas/torneios em bloquear páginas que fazem publicidade à modalidade através da análise ou dar a conhecer o jogo, às constantes mudanças e volte-faces nas estruturas e instituições que não trazem paz na procura do necessário equilíbrio para se atingir outro patamar de excelência e expansão do rugby, que continua a criar um cisma profundo entre a elite e os “outros”.
Quem celebra a entrada da CVC sem olhar para o que aconteceu na Fórmula 1 – e não foi o único desporto em que este fundo de investimentos fez um serviço de má qualidade -, cai na ingenuidade que todo o investidor privado significa bonança, crescimento e enriquecimento. O desporto profissional é negócio, não há mínima dúvida disso, e isso por si não é negativo, pois o que na realidade é negativo é como a gestão do investimento é realizada, algo que a CVC demonstrou só estar interessada na parte de lucrar sem crescimento ou desenvolvimento de novas estratégias.