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Warren Gatland está prestes a divulgar quem vão ser os Lions 2021 e analisamos que ideias e posturam devem ter para ganhar aos Springboks
Como se consegue fazer a diferença frente a uma selecção com o dom de ter o primado da fisicalidade, eficiência ofensiva a partir de boas fases-estáticas e apetrechada de jogadores estritamente desenvolvidos para aguentar o impacto do adversário durante 80 minutos? Três palavras: intensidade, criatividade e pressão. Parece uma receita de fácil desenvolvimento, mas quando se fala de rugby profissional e do patamar máximo de exigência, acaba por não ser uma missão tão básica ou facilitada assim, uma vez que é necessário ter os jogadores necessários/certos para seguir por esse caminho, para além de ter vontade de apostar num jogo mais baseado no risco e na imprevisibilidade após algumas fases e de constante agressividade técnica, requerendo um esforço monumental de quem dirige e treina. Para Warren Gatland e a restante equipa técnica dos British and Irish Lions, a única forma de vergar os actuais campeões do Mundo do rugby é encetar por um rugby continuamente mais expansivo, de mudança de paradigma constante e de procura pela surpresa e risco, impondo um nervosismo maior nos seus adversários, fugindo a uma tipologia de jogo totalmente física ou tacticamente fria, que nada de positivo trará numas series de alto impacto.
Pensemos desta forma: a única selecção que foi capaz de derrotar ou parar os Springboks de Rassie Erasmus nos últimos dois anos (ano de 2020 não entra para estas contas) foi a Nova Zelândia, tendo derrotado a selecção da África do Sul por duas ocasiões, empatado outra e consentido apenas uma derrota, sendo o teste de laboratório de maior interesse para Gatland e os Lions em termos de estudo, análise e encontro de uma solução para chegar à vitória.
Os All Blacks dominaram 60 minutos no último encontro frente aos ‘boks, realizado na fase-de-grupos do Mundial de Rugby em 2019, conjugando o risco com a segurança do pontapé táctico, nas artimanhas de uma linha de 3/4’s perigosa e da resiliência física dos seus avançados e de uma constante voracidade para irritar o bloco opositor sempre que possível, obtendo altos dividendos num encontro intensamente dinâmico, carregado de nuances estratégicas de relevo.
O ano horribilis de 2020 foi ainda mais tenebroso para a África do Sul que optou por não entrar em campo, fragilizando assim a sua preparação para as series contra os British and Irish Lions, já que estiveram impossibilitados de procurar soluções para as algumas ausências anunciadas (e outras forçadas), e isto pode ser visto como uma vantagem para o conglomerado de jogadores das ilhas britânicas… supostamente, pelo menos. Mas este cenário ou impedimento dos sul-africanos de testarem jogadores, aplicarem uma reformulação táctica (algo já falado por Erasmus e Jacques Nienaber em algumas entrevistas) e afinarem apostas, beneficia em alguma coisa os Lions?
Warren Gatland, sendo o treinador experiente que é, vai optar por uma atitude mais conservadora e observar a situação dos Springboks como um aviso sério para os Lions, pensando numa óptica de que não saber o jogo de quem está do outro lado é mais problemático do que tê-los em forma e com rotinas.
LINHAS ATRASADAS…. QUEM LANÇAR NOS LIONS?
Ou seja, nada nos aspectos tácticos, técnicos e físicos dos campeões mundiais vai mudar, mantendo o mesmo padrão de jogo e as lógicas que levaram-nos ao sucesso em 2018 e 2019, com esta situação a forçar à superselecção do Reino Unido e Irlanda a ter de optar por uma estratégia coerente, sem cair no engodo de jogar nas mesmas bases que a Inglaterra ou País de Gales actuaram frente à África do Sul no Campeonato do Mundo passado. Por isso, que combinação de escolhas será positiva para os Lions? Oferecemos algumas visões, todas elas com a sua própria probabilidade de acontecer, observando só os 3/4’s nesta primeira análise, até porque no bloco avançado haverá uma derivação de escolhas menor…
RISCO ALTO, CRIATIVIDADE ALTA, ENGAJAMENTO FÍSICO MÉDIO, JOGO AO PÉ ALTO E CAPACIDADE MENTAL MÉDIA
Para este cenário acontecer teriam de estar em campo estas combinações de jogadores: Gareth Davies/Connor Murray com Finn Russell/Marcus Smith/Joe Simmonds no combo 9-10; Jonathan Davies e Garry Ringrose na parelha de centros, ou Robbie Henshaw e Jonathan Davies/Chris Harris; Anthony Watson, Louis Rees-Zammit e Stuart Hogg são a solução perfeita para o três-de-trás, não ficando atrás um trio como Jonny May, Louis Rees Zammit e Liam Williams. Numa primeira observação é visível que nem Ben Youngs, Ali Price, Owen Farrell, Jonathan Sexton, Henry Slade, Dan Biggar ou Elliot Daly teriam lugar para começar no XV titular, e esta nossa decisão vai pela procura de uma estratégia de ataque de maior fluxo de bola, de capacidade para aplicar uma velocidade e aceleração de jogo maior e com um sentido aprumado para querer partir para o risco, mesmo que acarrete problemas “graves” caso algo corra mal nesse tipo de movimentações.
Todos os jogadores nomeados estão em plena forma ou, pelo menos, melhor que os seus rivais directos, dando-se um aspecto importante para a escolha de uma combinação com Gareth Davies, Finn Russell, Louis Rees-Zammit, Jonathan Davies, Garry Ringrose, Anthony Watson e Stuart Hogg: imprevisibilidade. É o ponto assente mais importante desta 1ª linha de opções aqui escolhida e aquela que pode criar mais dificuldades aos Springboks, lembrando que os detentores do Rugby World Cup não apreciam selecções ágeis e dotadas de um poder de mobilidade superior, de apetrechamento técnico mordaz e destinado para fazer a diferença. Percentagem de termos esta linha titular nos 3/4’s é de 15%.
RISCO MÉDIO, CRIATIVIDADE MÉDIA, ENGAJAMENTO FÍSICO ALTO, JOGO AO PÉ ALTO, CAPACIDADE MENTAL ALTA
O cenário mais “pleno” ou normal perante o que Warren Gatland apresentou na Nova Zelândia em 2017: Conor Murray/Ben Youngs com Jonathan Sexton/Owen Farrell; Owen Farrell e Jonathan Davies ou, se quisermos, Robbie Henshaw e Henry Slade; Keith Earls, Louis Rees-Zammit e Liam Williams, podendo transitar para Elliot Daly, Louis Rees-Zammit e Liam Williams. É uma linha de 3/4’s mais “seca”, focada em apresentar uma fisicalidade superior no contacto, de menor genialidade técnica no par de médios, procurando eficácia e processos mais morosos mas carregados de uma lógica coerente e sem cair num show de risco que colocaria em perigo as “costas” da defesa, especialmente no jogo ao pé.
A combinação de experiência profissional dividida por Murray, Sexton, Farrell, Davies e Williams traria vantagens no jogo ao pé, submetendo os Springboks a uma pressão constante de terem de ser perfeitos a cada nova recepção da bola, que correndo mal ficariam sob ameaça de caírem num vórtice nocivo de pontapés venosos que tanto podem vir do par de médios como dos centros ou três-de-trás, abrindo-se assim uma plataforma de jogo diferente, mas eficaz para os British and Irish Lions. Percentagem de vermos esta combinação a surgir nos test matches rondará os 35%.
RISCO ALTO, CRIATIVIDADE ALTA, ENGAJAMENTO FÍSICO MÉDIO, JOGO AO PÉ ALTO, CAPACIDADE MENTAL BAIXA
É, talvez, o cenário menos provável mas o 2º mais interessante em termos de criação de situações de ataque de alto risco: Ali Price/Gareth Davies na posição de formação, seguindo-se Marcus Smith/Joe Simmonds na camisola 10; Sam Johnson e Jonathan Davies/Manu Tuilagi; Duhan van der Merwe, Jonny May e Hugo Keenan/Stuart Hogg. A probabilidade de termos esta linha roça os 3% mas não deixa de ser uma linha de 3/4’s de excelente qualidade, como estes jogadores têm mostrado nas ligas internas ou nas competições europeias de clubes, caso de Marcus Smith ou Sam Johnson, adicionando a destreza, poder de choque e sprint de Van der Merwe e a imagética de Jonny May nas pontas. O problema aqui é a força mental para aguentar com os Springboks, para além da inexperiência internacional de uma parte destes nomes, entre outras questões.
RISCO MÉDIO, CRIATIVIDADE MÉDIA, ENGAJAMENTO FÍSICO ALTO, JOGO AO PÉ MÉDIO, CAPACIDADE MENTAL ALTA
E o que dizer de uma linha onde surja uma combinação com: Gareth Davies e Dan Biggar/Jonathan Sexton nas camisolas 9 e 10; Owen Farrell/Bundee Aki e Robbie Henshaw; Liam Williams, Keith Earls e Stuart Hogg. Se Warren Gatland escolhesse esta composição de jogadores estaria a optar por um jogo mais sólido no jogo ao pé, de constante influxo de devolução de bola entre os seus 40 metros próprios até aos 22 adversários, de luta por construção de fases “lentas” e de impor uma fisicalidade de excelente impacto, com o pleno objectivo de submeter uma pressão táctica nos Springboks.
No entanto, esta decisão poderia levar os Lions a entrar exactamente para o tipo de jogo que os campeões do Mundo em 2019 tanto gostam e procuram, ficando a decisão dependente de quem fosse mais disciplinado, aguentasse o choque físico mantendo o mesmo índice de resistência aeróbica, tornando tudo menos previsível ou legível na antecâmara de preparação para cada jogo. A probabilidade de termos esta linha em campo rondará os 25%.
Olhando para estas nossas quatro possibilidades (poderão existir outras já que não colocámos aqui algumas outras possibilidades), ficamos a perceber que a decisão dos titulares na linha de 3/4’s passará por quem estará na casa das máquinas dos Lions, e, por isso, é importante vermos quem são as opções e que possibilidades existirão.
O BLOCO DOS AVANÇADOS… QUEM PODERÁ COMEÇAR?
Fisicalidade, resiliência e espírito profundo de sacrifício são palavras-chave para qualquer selecção que almeja atingir o patamar máximo de excelência, sendo fundamental que os avançados escolhidos por Warren Gatland assumam estas palavras como regras e valores… todavia, existem outras três que também são entendidas como fulcrais para ganhar a frente aos Springboks. São elas: excentricidade técnica, visão de jogo e aceleração total nas decisões/processos. Os boks possuem uma avançada notoriamente mais pesada e conectada à fisicalidade e de dobrar o adversário pela sua maior agressividade, poder nas fases-estáticas e peso na placagem, possuindo pouco “perfume” técnico ou na arte dos skills, podendo os Lions encontrar aqui um pormenor importante na procura de obter o domínio sobre o adversário durante o mês de Junho/Julho/Agosto. Perante esta ideia, quais são as hipotéticas hipóteses para os titulares nos avançados?
FISICALIDADE ALTA, SKILLS ALTA, EXPERIÊNCIA MÉDIA, RESISTÊNCIA ALTA, CAPACIDADE DE ENGENHO ALTA E ACUIDADE MENTAL MÉDIA
Da camisola 1 à 8, estas seriam as nossas escolhas: Wyn Jones, Ken Owens/George Turner, Tadhg Furlong, Maro Itoje/Scott Cummings, Alun Wyn Jones, Tadhg Beirne, Justin Tipuric/Hamish Watson e Sam Simmonds. A 1ª linha é possivelmente a melhor neste momento do Reino Unido e Irlanda, com discussão só se Rob Herring ou Kyle Sinckler mereceriam uma hipótese séria para integrar o XV titular ou no banco de suplentes. Na 2ª linha nada a dizer, com Itoje a ser um atletas fora-de-série tanto pela capacidade técnica e física (no que toca à parte mental, fica a questão do excessivo número de penalidades realizadas em 2021) e Alun Wyn Jones a possuir atributos como a experiência, resiliência mental e perfeição no trabalho nas fases-estáticas; a 3ª linha é o lugar onde poderá suscitar maior discussão e por várias razões, como por exemplo a falta de altura para participar nos saltos no alinhamento (Watson não salta quer ao serviço do Edinburgh ou Escócia) e a dimensão muscular que é menor em comparação com outras possíveis escolhas, como Taulupe Faletau, Tom Curry, CJ Stander, Sam Underhill ou Justin Tipuric.
Porém, ter Sam Simmonds e Justin Tipuric a serem opções tão válidas no ataque como um par de centros ou um nº15, com capacidade para fazer a diferença até no jogo ao pé e nas perseguições, sem esquecer a polivalência técnica na saída das formações-ordenadas, alinhamentos, mauls ou rucks, seria genial e esta combinação de qualidades imporia um redobrar de atenções dos atletas sul-africanos, forçando um esforço físico ainda maior e um aumentar nos jogadores que têm de seguir. Um mito importante de se desmistificar: Hamish Watson é tão alto como Sam Underhill, CJ Stander ou Tom Curry, não sendo um asa assim tão pequeno como alguns comentadores querem fazer parecer.
FISICALIDADE ALTA, SKILLS MÉDIA, EXPERIÊNCIA ALTA, RESISTÊNCIA ALTA, CAPACIDADE DE ENGENHO MÉDIA E ACUIDADE MENTAL ALTA
Aquela que deverá ser a escolha mais próxima da realidade: Mako Vunipola, Ken Owens, Tadhg Furlong, Maro Itoje, Alun Wyn Jones, CJ Stander, Justin Tipuric e Taulupe Faletau. Uma 1ª linha de luxo e pesada, onde Mako Vunipola tem direito a ser considerado como primeira escolha a par de Ken Owens (é o melhor talonador das ilhas britânicas neste momento) e Tadhg Furlong, que pode garantir uma certa igualdade contra a África do Sul; na 2ª linha não é preciso especificar mais, uma vez que os nomes mantêm-se iguais.
Os asas e nº8 escolhidos encaixam no perfil táctico e físico preferido de Warren Gatland, com CJ Stander a ser uma opção de total confiança como número 6, enquanto Justin Tipuric oferece todo um virtuosismo especial e de criação de problemas constantes em jogo aberto, enquanto Taulupe Faletau é o jogador certo para carregar a oval, de entrega constante no contacto e de conseguir conquistar preciosos metros a cada nova formação-ordenada ou ruck. Esta combinação é aquela que detém um mix de experiência profissional expressiva, de saber sobreviver a um embate físico problemático de duração não de 80 minutos mas 240 (o somatório dos 3 jogos) e que melhor vai acompanhar os seus adversários nas fases-estáticas.
FISICALIDADE MÉDIA, SKILLS ALTA, EXPERIÊNCIA MÉDIA, RESISTÊNCIA ALTA, CAPACIDADE DE ENGENHO ALTA E ACUIDADE MENTAL ALTA
Cian Healy, George Turner/Rob Herring, Zander Fagerson/Tadhg Furlong, Tadhg Beirne, Alun Wyn Jones, CJ Stander/Sam Underhill, Hamish Watson e Sam Simmonds. É a 3ª linha de opções com menor probabilidade de aparecer em campo durante as series, mas que poderia oferecer algumas virtudes técnicas e físicas algo diferentes ao staff técnico liderado por Warren Gatland, a começar pelos desequilíbrios técnicos que tanto Sam Simmonds, Tadhg Beirne ou Zander Fagerson podem criar, somando ainda o poder de liderança de Cian Healy, Alun Wyn Jones e CJ Stander, e finalmente a resiliência, persistência e agressividade que Hamish Watson ou George Turner podem impor no jogo. É uma combinação de alto risco, sem dúvidas disso, que traria altos dividendos caso estes jogadores fossem capazes de estabelecer uma harmonia total, encaminhando os Lions para um jogo mais versátil, entusiasmante e de dinamismos ofensivos constantes, ficando no ar só a pergunta se teriam força para sobreviver a 50 minutos de constante embate contra os seus homónimos contrários, um problema que acaba por ser decisivo na hora de fazer as escolhas.
Posto isto, a segunda dose de opções apresentada deverá ser a mais próxima daquela que vai ser chamada a entrar em campo a partir de 24 de Julho (é o 1º jogo frente aos Springboks), porque é aquela que Warren Gatland está mais familiarizado, facilitando assim a construção de sinergias com o plano de jogo a estabelecer para os jogos versus a África do Sul.
Encaixando os 3/4’s com os avançados, é natural que para conseguir explorar um tipo de jogo mais acelerado, virtuoso e assente em criar problemas não pelo parâmetro físico mas sim pelo técnico e de procura de soluções diferentes, a resposta óbvia seria juntar o segundo bloco de avançados com o segundo dos 3/4’s apresentados anteriormente, no qual facilitamos: Mako Vunipola, Ken Owens, Tadhg Furlong, Maro Itoje, Alun Wyn Jones, CJ Stander, Justin Tipuric e Taulupe Faletau; Conor Murray com Jonathan Jonathan Sexton; Owen Farrell e Jonathan Davies; Keith Earls, Louis Rees-Zammit e Liam Williams/Stuart Hogg. Mas não será esta a porventura o melhor hipotético XV dos Lions, e isto passa pela ausência de um 10 mais criativo (FinnRussell ou Marcus Smith), de uma parelha de centros mais incisiva e rápida (Jonathan Davies precisa de Chris Harris ou Gary Ringrose) e um asa mais vibrante e disponível para se transfigurar como um 3º centro (Sam Simmonds).
O ponto assente e claro, é que os British and Irish Lions devem evitar assumir um tipo de jogo mais pesado, menos volátil e acelerado e de alto acentuação na fisicalidade, pois isto permitirá aos Springboks ter uma magra vantagem que neste tipo de series é decisiva.
Texto: Francisco Isaac