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A convocatória dos Lions já saiu, o choque já passou (ou quase) e contamos o que se passou pela convocatória de Warren Gatland, já que o selecionador desta mítica seleção de jogadores decidiu impressionar tudo e todos. Dos convocados, aos que ficaram de fora, às surpresas e à justiça da chamada dos 37 jogadores que vão viajar até à África do Sul.
The Originals, 1888
The Invincibles, 1974
The heroes of 1997
The Unbeaten Tours of 2013, 2017Over to you Class of 2021 – Time to write a new chapter in our history 🦁
Meet our #LionsRugby 2021 squad…🤩 pic.twitter.com/T5ujqOB0Lr
— British & Irish Lions (@lionsofficial) May 6, 2021
Desde logo, há uma diferença substancial de 2017 para 2021, uma vez que passamos de três internacionais escoceses (acabaram por 5 convocados, devido a lesões e saídas de última hora) para oito, com destaque para a convocatória de Hamish Watson (melhor jogador das Seis Nações 2021), Chris Harris ou Rory Sutherland, jogadores que estavam na contenda para ir aos Lions mas sem certezas absolutas do mesmo até à hora do anúncio. É uma espécie de “justiça” ou de como Warren Gatland premiou os atletas que em melhor forma estiveram/estão neste ano desportivo, pelo menos na maioria dos casos – discutível a inclusão de Bundee Aki, por exemplo -, com o número de 18 estreantes a ser um marco impressionante em convocatórias dos British and Irish Lions, sendo Louis Rees-Zammit o mais novo (20 anos de idade) entre os atletas chamados para viajar até ao continente africano.
Outras novidades inesperadas vêm na forma de Andrew Porter (pilar irlandês), Jack Conan (asa da Irlanda que tem estado em grande forma pelo Leinster), Duhan Van der Merwe (melhor marcador de tries nas Seis Nações 2021), Jonny Hill (Jonny Gray ficou de fora) e Rory Sutherland, como já tínhamos mencionado. Numa seleção com 37 convocados (um a mais em comparação com 2017 e 2013), praticamente 50% serão argamassa nova, o que mostra uma faceta interessante de Warren Gatland, a de impulsionador de estreias nos Lions, um papel que poucos atribuiriam ao selecionador que guiou os Lions nos dos últimos tours (vitória na Austrália e empate na Nova Zelândia).
Por fim, Alun Wyn Jones foi revelado como o capitão, um papel que encaixa que nem uma luva no 2ª linha do País de Gales, tanto pela capacidade se ser reconhecido como um líder nato como pelo exemplo dado dentro de campo, trabalhando até para lá dos limites, e também detentor de um poder de comunicação ao nível de outras grandes lendas do rugby mundial, como Richie McCaw ou Brian O’Driscoll.
Quais as maiores ausências?
Há várias surpresas em sentido contrário, isto é, jogadores que a maioria dos adeptos/comentadores esperavam por ver na convocatória mas que ficaram de fora na realidade. Escolhemos 5 exemplos para explicar as potenciais razões do porquê de não terem sido incluídos neste tour:
– Jonathan Sexton. O irlandês de 35 anos, que tinha sido titular na Austrália e Nova Zelândia enquanto atleta dos Lions, foi um dos preteridos no momento da verdade, ficando atrás de Finn Russell e Owen Farrell, pondo um fim na sua história com a camisola vermelha-escarlate. Existem dois motivos para a não-seleção do abertura, a começar pela frescura física, com as constantes pequenas lesões a assolarem os últimos três anos da brilhante carreira de um dos melhores 3/4’s que o rugby mundial já teve prazer de ver a jogar. Apesar de ter sido titular em grande parte das Seis Nações 2021, Sexton voltou a lesionar-se na preparação para a meia-final da Champions Cup, ficando expostas as fragilidades a nível da recuperação muscular, o que terá sido algo penalizador aos olhos do staff de Warren Gatland, lembrando que os jogadores participantes neste tour terão de aguentar 8 semanas de jogos de alta intensidade. Outra explicação é o modelo de jogo que poderá ser implementado nos Lions, com mais enfoque para a virtude técnica e de poder de aceleração, em detrimento do jogo mais “parado” e de encaixe físico como aconteceu frente aos All Blacks.
– Jonny May. Naturalmente, poucos esperavam que o atlético ponta da Inglaterra não fosse mencionado na lista de convocados, até pela panóplia de qualidades físicas e técnicas que traz ao jogo, como tem sido bem vincado a cada nova internacionalização pela Inglaterra. Porém, na corrida por um lugar no três-de-trás, o facto de não conseguir jogar na ponta contrária ou assumir o papel de nº15 terá sido um dos factores decisivos pelo qual não foi selecionado, com Anthony Watson, Elliot Daly, Stuart Hogg e Josh Adams a ganharem-lhe a frente nesse sentido, enquanto Louis Rees-Zammit e Duhan Van der Merwe tiveram um 2021 estupendo ao serviço não só das suas seleções como dos seus clubes.
– Josh Navidi. Algo cruel o destino de Navidi, que completou com Justin Tipuric e Taulupe Faletau uma 3ª linha extraordinária no País de Gales que ajudou a levá-los em direção ao título de campeões das Seis Nações 2021, com este combo a garantir constantes turnovers, um avanço territorial efectivo e uma percentagem de tackles perto dos 100% no total dos 5 jogos. Mas então porque é que Navidi não entrou nas constas de Gatland e Townsend? Porque a opção pela camisola 6 vai recair em Tom Curry ou Tadhg Beirne, ou, porque não, em Sam Simmonds, sendo que qualquer um dos três jogadores pode trazer algo de diferente para dentro de campo em comparação com Navidi. A excelente forma nesta janela de jogos internacionais de 2021 de pouco valeu ao asa, que no entanto poderá surgir como um dos principais nomes na lista de reservas… que mesmo assim pouco significará caso ninguém se lesione.
– CJ Stander. Seria o “adeus” perfeito de um dos asas mais sólidos do rugby internacional, podendo assim servir a Irlanda por uma última vez antes de retornar definitivamente a África do Sul. O destino assim não o quis, e a explicação pela não convocatória advém de uma razão: futuro. Sim, este será o último tour de Warren Gatland, mas o neozelandês não deixa de ter uma visão a longo-prazo para os British and Irish Lions como Jason Leonard (responsável máximo por este grupo) fez questão de mencionar em Abril passado, e o facto de CJ Stander se reformar já após o último jogo da Rainbow Cup terá acabado por influenciar a decisão final de o não incluir no grupo final.
– Kyle Sinckler. Se Tadhg Furlong é um pilar impossível de retirar nos Lions, a inclusão de Zander Fagerson acabou por lançar algumas perguntas e dúvidas, e possivelmente existe uma resposta pelo qual o primeira-linha da Inglaterra não recebeu a chamada: forma física. Durante o fim do ano 2020 e toda a janela internacional de 2021, foi notória a queda física da avançada da Inglaterra, não só pela má forma dos atletas dos Saracens (Jamie George pode se sentir com “sorte”), mas também pela inércia de Kyle Sinckler, revelando alguns problemas na formação-ordenada, e sem nunca ter uma presença potente com a bola em seu poder, em comparação com o que fez até ao Mundial 2019.
Outros jogadores que ficaram surpreendentemente de fora (podendo ter ou não justificações plausíveis para tal): Jonathan Davies, Caelan Doris, Sam Underhill, Jonny Gray, Jamie Ritchie, Gary Ringrose (poderíamos ter trocado com CJ Stander), Keith Earls e Rob Herring.
Os “bolters” de 2021
Esta secão é fácil de apurar com as motivações da chamada de cada um a merecer uma especial atenção. Quem são então os três bolters de 2021? “Bolters” são os atletas “surpresa”.
– Sam Simmonds. Era o nome mais badalado para ganhar o título de “bolter”, devido às suas exibições ao serviço dos Exeter Chiefs, clube pelo qual já foi duas vezes campeão de Inglaterra e em que ajudou a levantar o título de campeões da Europa em 2020, no qual acabou por ser nomeado como melhor jogador da Heineken Champions Cup, atingindo 35 tries marcados nos últimos 42 jogos, com ainda 15 assistências, números magistrais, especialmente quando estamos a falar de um nº8. O facto de não entrar nas contas de Eddie Jones para a Inglaterra, não impediu de Warren Gatland convocar Simmonds, vendo no líder dos Exeter Chiefs um atleta completo a todos os níveis, com capacidade para fazer a diferença quer no jogo de “artilharia-pesada” ou em campo aberto, sendo uma espécie de canivete suíço dotado de um poder nuclear para desmontar defesas mais pesadas e físicas.
– Jack Conan. Sam Simmonds foi “bolter” mas pelo número de vozes que foram surgindo a favor do inglês, o título de super-surpresa pertence ao 3ª linha da Irlanda, Jack Conan. Não é um titular assumido no conjunto do Trevo de Andy Farrell, nem o foi quando Joe Schmidt os comandou, tendo só a seu favor as exibições de luxo realizadas pelo seu clube de província, o Leinster, onde é visto como uma das peças-chave que têm levado a esta mítica equipa à hegemonia total na Irlanda e com algumas honras europeias. Conan é um asa maciço, que impõe uma fisicalidade gritante e eficiente, segurando bem a oval no seu braço, para além de conseguir ser um elo de ligação dinâmico entre as linhas de ataque. Dificilmente vai jogar contra os Springboks, pois há uma série de outras opções à sua frente, ficando quase exclusivamente entregue aos jogos contras as franquias sul-africanas.
– Jonny Hill. Maro Itoje e Alun Wyn Jones serão os donos e senhores da 2ª linha dos Lions, ficando Iain Henderson e Courtney Lawes como soluções para estes lugar em caso de necessidade, o que força a Jonny Hill assumir um lugar de menor possibilidade de jogo contra a África do Sul. Todavia, o internacional inglês recebe um justo prémio pelas excelentes exibições ao serviço dos Exeter Chiefs e da Inglaterra (Eddie Jones referiu-o como um dos melhores em 2021), podendo ser um elemento interessante caso seja lançado nos três encontros frente aos Springboks, muito pela diversidade de opções e competência táctica que apresenta.
Warren Gatland foi justo na convocatória?
Para Garry Ringrose, CJ Stander, Jonny May, Jonathan Davies ou Jonathan Sexton, não o foi, já que qualquer um destes teria as condições mínimas para entrar na lista dos 37 convocados. Contudo, e pelas razões já enunciadas atrás, Warren Gatland leva para o País do Arco Irís os atletas que estão melhores tanto no capítulo físico, técnico, táctico e mental, procurando não aproveitar o modelo de jogo de uma dada seleção (em 2017 viram-se vislumbres de um mix entre o warrenball do País de Gales e o kick and chase de Joe Schmidt na Irlanda), mas sim criar uma estratégia nova, assente em diferentes dinamismos.
As valências ou qualidades como velocidade, poder de explosão, aceleração e criatividade imediata vão ganhar um destaque maior e isso é algo perceptível pela inclusão de jogadores como Finn Russell, Elliot Daly (o facto de poder jogar em 3 posições diferentes pesou na hora da decisão), Stuart Hogg, Sam Simmonds, Taulupe Faletau, Maro Itoje, Anthony Watson, esboçando um elenco bem interessante dos Lions, que a “olho nu” pode ser aparentemente mais fraco em comparação com o de 2017, mas que na realidade terá outra capacidade para fazer dano com a bola em seu poder e de maior entrega física no jogo aberto.
Warren Gatland olhou para o registro dos dois últimos anos, premiou quem esteve melhor quer pelo clube ou seleção e quer oferecer algo diferente ao Mundo do Rugby, furando as expectativas de voltarmos a ter uma reedição do que se passou em 2017, com uma aproximação, talvez, ao que se passou na visita à Austrália em 2013, e esta reformulação na estratégia de jogo alimentará umas series intensas e emotivas.