Foto: Bruno Ruas @ruasmidia

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ARTIGO OPINATIVO – Seja na potente e doce voz de Etta James, ou no fraseado da guitarra de Eric Clapton ou até mesmo em algum estádio inglês onde uma partida de rugby esteja acontecendo, provavelmente, você já terá ouvido “Swing Low, Sweet Chariot”.


Trata-se de uma antiga canção afro-americana, a primeira gravação conhecida data de 1909, cuja letra se refere a história bíblica da ascensão aos céus do profeta Elias por uma carruagem e, segundo muitas fontes, tinha na letra informações que guiavam os negros que conseguiam fugir da escravidão para lugares seguros.

Mas, como uma canção que era usada no início do século passado por afro-americanos tornou-se um emblema tão forte do rugby inglês, sendo entoada a plenos pulmões até os dias de hoje pelos estádios da “terra da Rainha”?


Há inúmeras versões e nenhuma que agrade a todos. Há discordância até da primeira pessoa homenageada pelos torcedores. Alguns dizem que foi Chris Otti, que em 1988 marcou um hat-trick durante uma célebre vitória da seleção inglesa sobre a Irlanda durante partida válida pelo Five Nations. Outros alegam que um ano antes Martin Offiah, que era conhecido como “Chariots”, foi ovacionado durante um torneio de sevens, o Middlessex Sevens.

O fato é que esta canção adquiriu um outro sentido na voz dos torcedores de rugby, bem diferente da original, com muitos artistas regravando-a para este público e sendo exaustivamente cantada em pubs e estádios.

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Entretanto, nos últimos dias, esta apropriação de tão importante estandarte dos escravos afro-americanos voltou a ser questionada, muito por causa do movimento Black Lives Matter que ganhou ainda mais projeção após a morte de George Floyd nas mãos e joelhos da polícia dos Estados Unidos, este ano.

Muitas pessoas se manifestaram após a RFU (associação inglesa de rugby) ter dito que está revisando o teor da canção e que pode vir a baní-la das arquibancadas. Desde o já citado Offiah que apesar de concordar que a canção é inapropriada, mas acha que o caminho é a educação e conscientização, até a grande Maggie Alphonsi, ex-jogadora da seleção feminina, que disse ter cantado muito a canção até que alguém explicou a história e suas conexões e que, ainda assim, não se sente confortável para dizer às pessoas para pararem de cantar.

Já o Principe Harry, patrono do esporte, e o ex-hooker Brian Moore, que diz nunca ter gostado da canção, defendem, por motivos distintos, o banimento da canção. Segundo Moore é “uma porcaria como uma música nacional por que não tem relevância para os ingleses”.

Para o primeiro-ministro Boris Johnson, contrário a qualquer tipo de proibição por parte da RFU, as pessoas de origens minoritária étnicas não devem enfrentar injustiça. Prometeu combater o racismo no Reino Unido, mas acredita que deve haver menos foco nos símbolos da discriminação, seja este uma canção ou uma estátua.

Inúmeras outras pessoas se manifestaram, com argumentos favoráveis e contrários a atitude da federação e a polêmica ainda está longe de acabar.

Por toda Inglaterra, e mundo afora, temos visto pessoas se manifestando não só contra os atos racistas no presente, como também contra esses símbolos que adquirem função de manutenção de estruturas racializadas ao longo da história. Como as representações de escravagistas do passado, lidos como heróis por alguns e assassinos por aqueles outros à quem o sistema negou liberdade até de contar sua história.

Esta última onda de manifestações antirracistas trouxe para o campo da ação direta ampla e global anos de resistência através da reflexão (e não somente) por parte dos movimentos identitários, intelectuais e importantes personagens. O momento é de cada um reconhecer grandes atos que nunca deveriam ter acontecido na nossa história e refletir sobre as atitudes também e o impacto que esse conjunto têm em nossas vidas hoje.

Se uma canção ou uma estátua, ou mesmo uma singela frase, carregam em si história suficiente para perpetuar um mal social que não se quer repetir, se alguém lhe diz o mal causado, o mínimo que podemos fazer é parar e pensar o por quê disto acontecer. Esta é a onda que o esporte e meios de comunicação e organização coletiva podem contribuir: ao invés de esvaziar os símbolos de seus significados, enfrentar a reflexão e não fugir das discussões e ações de transformação, de fato.

If you get there before I do,
(Coming for to carry me home)
Tell all my friends I’m coming too.

 

Escrito por: Djalma Das