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ARTIGO OPINATIVO – Hora de opinião. Diego Gutierrez, colunista do Portal do Rugby e mestre em sociologia do esporte, analisou uma questão sob seu ponto de vista. Concorda? Discorda? Opine!
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Antes de começar é importante dizer que a segurança do atleta é o fator mais importante em um jogo de rugby e o objetivo dessa coluna não é aumentar os riscos ou precarizar as condições que os jogadores são submetidos, mas se perguntar se o modelo adotado pela CBRu é o mais eficiente tanto do ponto de vista econômico quanto da saúde do praticante. Nesse caso específico à decisão de obrigar as equipes a disponibilizarem uma ambulância e um médico.
Essa abordagem, que hoje parece obvia, não é a mais comum, sendo na verdade bastante rígida se comparamos com outras federações. Se analisarmos os regulamentos dos campeonatos amadores de Argentina, Inglaterra, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia veremos que essas federações preferem incentivar a presença de socorristas com treinamento específico para rugby, sem a obrigatoriedade da ambulância, sendo a abordagem da CBRu única e que complica bastante a vida dos clubes.
A CBRu delega para os clubes os custos da ambulância e do médico, uma tarefa muitas vezes complicada para as equipes amadoras que dispõe de pouco material humano e capital financeiro. Falando apenas de São Paulo o custo de se contratar uma ambulância com médico gira em torno de 250 a 400 reais, e esse é o menor dos problemas.
As empresas que disponibilizam esse serviço na capital paulista são poucas e muitas vezes de qualidade duvidosa. Os gestores de clubes podem contar muitas histórias de partidas prejudicas pela ineficiência do serviço. Ambulâncias que se atrasam, se perdem, chegam sem o médico e quando levam um atleta se recusam a voltar para não ter trabalho ou demoram horas no P.S por razões obscuras, isso para não falar quando vem sem os equipamentos mais básicos ou com profissionais claramente despreparados para a tarefa.
O rugby no Brasil ainda engatinha, tanto em termos popularidade quanto de organização, por isso é sempre importante olharmos para os países referência no esporte, procurando soluções e modelos onde possamos nos basear para construir um rugby melhor, mais seguro e competitivo. No caso do apoio médico nas partidas cada país possui regras e obrigações, apresentando uma variedade de modelos para pensarmos, sendo que dos mais rígidos aos mais relaxados temos Argentina, Inglaterra, Austrália, África do Sul e Nova Zelândia.
Os Hermanos, talvez pela proximidade, possuem regras similares as brasileiras, sendo que no caso da URBA, todas as partidas, amistosos e oficias, necessitam da presença de um médico, que como no Brasil tem de se apresentar na mesa de arbitragem, caso o médico se ausente a partida deve ser suspensa. Mas ao contrário do Brasil o regulamento não fala nada da obrigatoriedade de uma ambulância[1].
Inglaterra e Austrália possuem um sistema semelhante para suas equipes amadoras. Ambos os países exigem apenas a presença de um socorrista em campo. A qualificação desses socorristas varia de acordo com o evento no caso inglês[2], em eventos menores é necessário apenas que um dos membros do clube tenha feito um curso de primeiros socorros organizado pela RFU, que custa 50 libras e o clube recebe o Kit básico de primeiros socorros[3], enquanto em eventos maiores como o nacional juvenil é necessário um profissional de saúde (médico, enfermeiro, fisioterapeuta entre outros), que tenha realizado um curso especial da RFU, que além dos primeiros socorros básicos também precisa de um desfibrilador[4] . No caso australiano as escolas e os clubes precisam também de um socorrista, curso disponível na Austrália para qualquer pessoa maior de 16 anos, além de um kit básico de primeiros socorros[5]. Em ambos os casos não é necessário uma ambulância, apenas que haja um telefone próximo e o campo seja de fácil acesso para o resgate.
África do Sul e Nova Zelândia possuem uma aproximação mais relaxada em relação ao assunto. Nos dois países o rugby profissional é organizado pela federação enquanto o rugby de clubes fica a cargo das entidades regionais, o que dá origem a uma variedade de regras e formatos. No caso dos Springboks, a região de Western Cape, onde está a Cidade do Cabo exige que os jogos tenham pelo menos um socorrista, mas recomenda que as duas equipes tragam uma equipe de primeiros socorros[6]. A federação Sul Africana recomenda que em todas as partidas tenham um médico ou socorrista presente, mas caso isso não seja possível devido à falta de recursos exige que pelo menos uma pessoa tenha o curso Boksmart[7], uma introdução aos primeiros socorros disponibilizado pela federação e ministrado em apenas um dia.
O país dos All Blacks, último reduto do rugby raiz talvez, é o único que não possui uma legislação específica para isso. Analisando os estatutos vemos pouco espaço para essa discussão Counties Manukau, terra de Jonah Lomu, não discute o assunto no seu estatuto[8] enquanto Wellington, apenas expressa que o auxilio médico é de responsabilidade de cada equipe[9]. A pequenina Bay of Plenty[10], principal formadora dos Chiefs, recomenda que haja um socorrista presente, e esse ano está realizando, pela primeira vez, o curso de primeiro socorros no rugby[11].
Esses países possuem uma variedade de abordagens, mas com exceção da Argentina não exigem um médico, preferindo focar nos socorristas. A realização de cursos focados no rugby é um caminho interessante, ele forma especialistas, que ao invés de um conhecimento genérico, possuem intimidade com a modalidade entendendo melhor os jogadores e as suas necessidades.
A World Rugby disponibiliza uma variedade de cursos e capacitações para aqueles que procuram se tornar socorristas, não seria hora da CBRu olhar essas iniciativas com mais carinho, ao invés de apenas cobrar dos clubes a ambulância e o médico. Formar socorristas dentro da comunidade do rugby também fortalece os clubes, que ao invés de apenas dispensarem recursos passam a contar com um especialista entre os seus atletas e colaboradores, uma pessoa que pode contribuir com o dia a dia dos treinos, categorias de base e conscientizar os jogadores criando um rugby mais forte e seguro.
[1] http://urba.org.ar/useruploads/circulares/2018/CIRCULAR-a-40-2018.pdf
[2] http://ncarugby.org.gridhosted.co.uk/wp-content/uploads/2016/12/admin-aug-17.pdf
[3] https://www.englandrugby.com/mm/Document/News/General/01/32/22/81/EmergencyFirstAidinRugbyUnionCourse(RugbySafeEssentialGuide-Sept16)_Neutral.pdf
[4] https://www.englandrugby.com/mm/Document/General/General/01/32/61/40/AASELeagueRegulations2017-2018-Final_English.pdf
[5] http://www.rugbyaustralia.com.au/Portals/33/Running%20Rugby/Safe%20Practices/Rugby%20Australia%20Medical%20and%20First%20Aid%20Requirements.pdf
[6] http://www.wprugbyrefs.co.za/001-PDF_REF/COMPETITION%20FORMAT%202017%20_3_.pdf
[7] http://boksmart.sarugby.co.za/content/boksmart-rugby-medic-programme
[8] https://www.steelers.co.nz/assets/CMRFU%20By-Laws%202018.pdf
[9] https://www.wrfu.co.nz/fileadmin/documents/2018_WRFU_By-Laws.pdf
[10] http://www.boprugby.co.nz/downloads/2018-Club-Competition-Rules.pdf
[11] http://www.boprugby.co.nz/news–information/first-aid-in-rugby-a-first-for-bay-of-plenty-clubs/
Escrito por: Diego Gutierrez