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ARTIGO OPINATIVO – O rugby do Japão está em evidência com a Copa do Mundo e nosso jornalista de rugby japonês Leandro Vieira escreveu uma análise sobre a situação do país no momento para nossa coluna aberta Voz do Rugby. A coluna é de opinião livre, sem interferência do Portal do Rugby.
O cenário esportivo internacional japonês
Ao lado do wrestling profissional e do beisebol, o rugby se tornou um dos esportes de alto rendimento praticado pelos japoneses com mais reconhecimento no exterior. O leitor mais desatento poderia dizer que o futebol ou algum outro esporte também alcançou tal nível. Não é bem assim, não falamos só de publicidade, de conhecer times e jogadores, etc. Falamos aqui de notoriedade, excelência.
Toda terça feira, no canal fox sports Shinsuke Nakamura é um dos protagonistas do programa SmackDown, da WWE. Sem entrar no mérito do quão válido são as lutas coreografadas, o fato é que este atleta traz relevância para o esporte em questão por trazer o chamado “Strong Style”, conhecido como a modalidade de wrestling profissional mais agressiva e realista, que exige muito talento do lutador. Este recebe a alcunha de “King of the Strong Style”, ou seja o rei deste estilo de luta. Paul Michael Levesque, o famoso “Triple HHH”, bancou a ida de Kushida, outro super astro considerado um dos melhores.
Ichiro Suzuki, jogador de baseball, iniciou sua carreira pelo Orix Blue Wave, time japonês de baseball, depois se transferiu para o Seattle Mariners onde acabou indo para um dos maiores clubes do mundo, talvez o maior, New York Yankees. O atleta possui um mega salário, mesmo com 44 anos. Yu Darvish é outro que desponta no esporte por números e não por logísticas gerais a margem do que empresários ou publicidades podem gerar.
No futebol temos dois jogadores importantes que são Kagawa e Nakata, provavelmente os melhores atletas japoneses desta modalidade. Os dois combinados mal chegam a 200 gols em suas carreiras. Longe deste texto vir depreciar as carreiras notórias e de altíssimo nível, chamo atenção apenas pelo fato de nós brasileiros estarmos acostumados com futebolistas bem mais repletos de aproveitamento superior nas mesmas condições desses casos.
Agora falando sobre o coletivo. Afinal, é inegável que somos uma escola de futebol de 200 milhões de jogadores e treinadores, todo mundo por aqui entende algo sobre a pelota, uns mais outros menos. O futebol é um esporte global, a FIFA tem mais membros que o ONU. Mas vamos a falar de aproveitamento? No Beisebol é até desnecessário, japoneses representam a supremacia neste esporte. Mas voltando ao “soccer”, o Japão não tem tanta força sequer dentro do seu continente.
Outra vez não etou desmerecendo o Japão no futebol, apenas alertando para o nível de excelência na prática do esporte, tanto individual tanto no coletivo. Um clube japonês sequer tem um resultado positivo duelando contra equipes da elite mundial no chamado “mundial de clubes”. Nesta década, a seleção venceu Argentina e França em dois amistosos, 2010 e 2011, mas parou por aí.
Enfim, apesar de todo sucesso e competência dos nipônicos em várias modalidades, não é muito palpável o desempenho ligado a resultado em nenhum esporte mundial. Nota-se muita fama, investimento e retorno financeiro, porém pouca notoriedade nos campos técnico e tático.
O papel do esporte tratado por aqui, o rugby, é o ponto mais fora desta viciosa curva de glamour versus resultado. Só não sendo mais exclusivo que o críquete, o rugby tem uma “panela” chamada “Tier-1”. Para quem não sabe, é a intransponível parede que cerca as 10 maiores seleções da modalidade. Argentina, Austrália, Nova Zelândia, no sul, e Inglaterra, Irlanda, Itália, Escócia, França e Gales, no norte. É uma somatória de coisas que faz com que este grupo exclusivo não aceite novos membros para suas competições, tanto nacionais quanto internacionais.
O futebol, por exemplo, tem uma estrutura que permite boa parte dos times do planeta a chegarem ao topo, no rugby não. Tanto a Six Nations quanto a Sanzaar decidem quem está dentro e quem está fora da elite mundial. Na estrutura de hoje, uma equipe fora deste eixo dificilmente se mantém. Passagens aéreas, hospedagens, patrocínios, nível de jogo, tudo está bastante distante da maioria. Não há um sistema global meritocrático no rugby.
Hoje temos as seleções muito fortes para permanecerem no segundo escalão, o “Tier-2”. Japão e Georgia figuram o dilema das organizações em apostar ou não na expansão. A Sanzaar aceitou parcialmente o Japão no Hemisfério Sul, como seleção tradicional do pacífico que sempre foi. Este artigo ficará agora no rugby japonês.
O Papel da Top League
No sistema do “Sul” temos as ligas nacionais: Currie Cup, NRC, Mitre 10 cup e a Top League. Todas estas alinhadas no calendário com o Super Rugby. Exceto a Top League japonesa, as outras competições foram sufocadas pelo sistema clube-franquia adotado, enquanto a liga australiana é praticamente nula.
A Top League, apesar de variar seu formato diversas vezes, sobrevive bem ao cenário e ainda consegue crescer. É local onde grandes estrelas desembarcam, é inclusive atualmente a líder nos trends da google dentre todas elas. Dificilmente os times jogam em campos completamente vazios e há pelo menos 5 postulantes ao título.
Somente a Argentina possui uma competição de elite amadora, o Nacional de Clubes, mas o Japão é o único que consegue manter o espírito do amadorismo mesclado aos altos salários de atletas como Goromaru e Dan Carter. Sabemos que o objetivo das ligas provinciais neozelandesas e australianas vão além do negócio em si. Elas envolvem o crescimento do esporte nas regiões onde estão inseridas. Mas o produto que vemos é a Top League alcançando excelência em todas essas coisas.
Talvez o ponto mais positivo é o esforço de todos para que os fomentos não sejam sobrepostos por interesses opostos. Apesar de ter atletas relevantes no cenário mundial, a liga principal japonesa conserva em si a história dos trabalhadores industriais que fizeram o esporte ser tradicional naquele país, além do forte rugby universitário,
Onde entram os Sunwolves?
Nas discussões da redação sempre entrou em pauta a discussão de que o Japão necessita ou não do Sunwolves, e a resposta é “sim e não”. Considerando o “namoro” da JRFU com o sistema do Hemisfério Sul, sim, porém na forma que vem sendo feito, não.
Não só no Sunwolves, mas também no selecionado nacional, o Japão carece de alguns perfis de jogadores. A posição em campo onde isso é mais visível é primeiramente a do fullback. Não há muitos camisas 15 nos dezesseis clubes da elite. Kotaro Matsushima começou a ocupar o posto na seleção, mas não tem o perfil consolidado, e hoje está nesta situação também no plantel do Sungoliath.
Ao contrário do que acontece nas outras franquias, os clubes não enviam o seu melhor para o Sunwolves. A carência de Fullback fez com que a seleção, por boicote ao Goromaru, convocasse um jogador universitário para a vital posição durante os testes de junho de 2016. O Super Rugby conta então com um selecionado obscuro, talvez inferior ao Sungoliath e Knights.
Jogadores excelentes ficam de fora do elenco dos lobos. Na temporada atual isto mudou um pouco já que Hendrik Tui, Hiroshi Yamashita e alguns outros foram juntados. Mas em resumo poderíamos dizer que as primeiras e terceiras linhas, scrumhalf, meia e ponta, o rugby japonês até que produz atletas de nível internacional, mas o restante é preocupante. Por isso o melhor plantel do Sunwolves de toda sua história é o atual, com pouquíssimos atletas locais de destaque.
A franquia japonesa levou 10,076 de média na edição 2018 do Super Rugby na sua conferência. Jogou fora do seu país em dois jogos “em casa” e mesmo assim foi o terceiro em público no grupo australiano. O lado nipônico da conferência tem médias similares aos times mais fracos da J-League, por exemplo. Destarte, reparamos que no mesmo ano os Verblitz de Toyota levaram 31 mil pessoas, um terço do público total da franquia na temporada, em uma única partida.
Com algumas destas afirmações e comparações o questionamento surge: Quem precisa de quem?
Yenes e mais yenes
De fato o time do Sunwolves trouxe todo o rugby japonês para um nível acima, mas parece que já se chegou a um “teto”. Eles estão inseridos na área metropolitana de Tóquio, onde a população é igual a da oceania inteira. Então o mais correto a se imaginar era a troca da experiência, principalmente dos jogadores do pacífico, com a abertura de mercado da Sanzaar pela Ásia.
O mercado nipônico sozinho seria, em números brutos, quase igual em contingente a todos os demais países do Super Rugby somados. Se tratando de audiência e poder de compra, aí que a coisa fica maior. O canal NHK, por exemplo, possui uma base instalada de espectadores maior que a população de todos os outros países que têm franquias na competição sulista. No influente canal apenas o rugby local, nacional e universitário possui transmissões. O recorde mundial de seleções ainda pertence aos Brave Blossoms com 25 milhões de telespectadores, maior que o conjunto total de habitantes australianos.
O “vôo de pato” do sistema de franquias
Já dito, a World Rugby seria, obviamente, a entidade máxima do esporte bretão. Mas todos nós sabemos bem o poder das Six Nations e Sanzaar. Podemos afirmar categoricamente que as únicas franquias, que na verdade são representações provinciais centenárias, que até aqui são dotadas de êxito indiscutível são Leinster, Munster e Ulster. Elas são uma representação sociocultural da comunidade irlandesa como um todo, cada uma representando uma região histórica, tendo como componente também o Connacht, que corre por fora.
Na Europa, o Pro14 é um campeonato confuso e que sofre duras críticas por ser pouco meritocrático. Sem rebaixamento e acesso, com dois times sul-africanos fracassados se juntando aos demais para na maioria das vezes serem “sacos de pancada” dos irlandeses. Os quatro representantes da “terra dos duendes” ganharam dois terços dos títulos disputados na década.
É notável o “achatamento” do público fora da Irlanda, “massa” mesmo somente Leinster, Ulster e Munster. O restante vive de médias de 4 dígitos. Torcedores galeses, apaixonados por rugby, não apoiam as franquias pois elas vão contra a cultura de rivalidade do esporte na “terra do dragão”. Apesar dos perrengues, franceses e ingleses têm um produto mais assistido e nitidamente mais organizado. Qualquer grupo hoje pode ser campeão da Premiership ou do Top14, basta passar por todas as divisões até a glória, o mesmo não se pode dizer do Pro14.
O Super Rugby se perdeu há anos. Ligas nacionais perderam o brilho, pois obviamente a competição máxima sulista tinha os melhores times e partidas. Mas o desgaste foi inevitável, queda nos públicos, principalmente na Austrália e África do Sul e erros na adição de membros como Argentina e Japão. Equipes de importantes regiões, como o Western Force, foram cortadas e nada parece seduzir a torcida, que anda sumida dos campos.
Pois é, este é o cenário que os Sunwolves entram. Pouquíssimas franquias sobrevivem com saúde e estádios lotados. Seleções glamorosas e times “sem sal”. Voltamos ao questionamento e novamente perguntamos: Quem precisa de quem?
Imagine dois times: Fijian Drua e Enisei-STM representando Fiji e Rússia, respectivamente. Um pode chegar ao título máximo de seu continente, o outro não. Simplesmente só membros da Sanzaar e Japão podem ser campeões internacionais no Hemisfério Sul. O sistema que já foi duramente questionado também na Europa, tendo a Champions Cup reformulada devido aos problemas envolvendo a classificação sem muitos méritos no velho continente por parte das franquias.
Sunwolves cortados do Super Rugby
Com apenas 3 anos de existência já foi comunicado que dificilmente veremos os Sunwolves após 2020, quando o contrato de TV acaba. Parece haver um consenso de que os lobos complicam a competição com seus jogos em Cingapura e Hong Kong. Apesar da impressionante volúpia nos jogos o time geralmente sai derrotado. Cabe a federação japonesa decidir o que fazer com ele.
O que fazer?
Sinceramente, não consigo ver um futuro interessante para o Sunwolves. Como já vimos no restante do mundo, seleções provinciais e franquias retiram as rivalidades locais nas competições de alto nível. Hoje esta equipe representa Sungoliath, Black Rams, Brave Lupus e Eagles, mas por ser a única do país, acaba sendo também o apanhado nacional como um todo.
Os melhores jogadores, em sua maioria, não podem ser aproveitados na seleção japonesa. Hayden Parker, neozelandês, é grande trunfo da equipe. Venceram apenas 2 jogos em 2019, sendo o plantel quase todo exclusivamente de estrangeiros. Há um gasto alto em manutenção e nítido pouco retorno para o rugby nacional.
A sugestão de ouro
Deveria haver uma grande reforma nas equipes japonesas. 100% da elite deveriam ter seus plantéis profissionais como um todo. Os Sunwolves poderiam ser a equipe da federação dentro da Top League, como qualquer outro clube. Talvez fosse a hora dos japoneses conquistarem seu lugar “por direito” em seu respectivo hemisfério, com vagas na Champions Cup, talvez campeão e vice.
Vemos o que o Japão consegue fazer contra europeus nas seleções com um jogo bastante parelho nos últimos anos, porque não levar isso aos clubes? Não há dúvidas que os Wild Knights ou Sungoliath poderiam travar duelos bem interessantes contra qualquer clube da elite Européia. Lugar que em breve pode ser cobrado também pelos americanos campeões Major League Rugby, mas este é um tema para uma outra resenha.
O que se pode concluir?
A opinião que venho compartilhar neste é que os Sunwolves se mostraram como um produto bom, porém um time que não precisava existir. O Super Rugby é o melhor dentro das quatro linhas, mas não é bom como liga. Parece que este barco está afundando. As competições nacionais sulistas estão minúsculas e o Super Rugby desinteressante.
Talvez a Sanzaar precise mais do Japão que o inverso. A Top League está lá, bem e saudável, enquanto as 15 franquias do Super Rugby sequer estão divulgando seus públicos. Há muitas partidas de “gatos pingados” e crises. A Europa parece ser um caminho mais promissor. O Hemisfério Sul se tornou chato, mesmo tendo os melhores do mundo.
Torcedor quer torcer, quer ser feliz. Quer se identificar com seus atletas preferidos, como Goromaru ou Leitch. Quer apoiar sua comunidade local. Quer sentir a emoção, seja ela por vencer ou por ser rebaixado. Será que o Super Rugby motiva um torcedor sair de casa? Se fosse um torcedor do Crusaders diria que sim, porque ele vende a emoção da vitória, mais nada.
Escrito por: Leandro Vieira
Uma solução para o hemisfério sul, que vi sendo proposta por muitos usuários do Reddit, foi a de transformar o Super Rugby em uma Champions Cup, no estilo europeu. As franquias deixam de existir, as ligas nacionais se tornam o nível máximo do cenário doméstico e a GRR, que começa no próximo ano, pode incorporar os Sunwolves e criar uma quarta liga pra participar do novo Super Rugby. As medidas são radicais, mas o sistema atual não está funcionando. Acha que daria certo ou que agravaria problemas como o êxodo de jogadores para o hemisfério norte?
Bom artigo Leandro, imagino que a maioria de nós não tem muita informação sobre o rugby japonês. Sobre o Tier 1, faltou na sua lista do Hemisferio Sul a Africa do Sul, para compor os 10 países membros do Tier 1, embora atualmente o ranking da World Rugby não reflita essa situação, já que o Fiji está infiltrado nos 10 melhores no ranking e a Itália esteja em queda.