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ARTIGO OPINATIVO – Precisamos colocar as cartas na mesa: o que a comunidade do rugby quer da CBRu e o CBRu quer da comunidade do rugby? Pensando num mundo ideal, lógico.
Logo de cara, o que eu imagino que a comunidade queira de fato da CBRu é que a entidade anuncie umas dezenas de escolinhas de rugby pelo país, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, e que se responsabilize pelo desenvolvimento da base, igual como faz com a seleções adultas. E, assim que o jogador atingir 20 anos, ele seja encaminhado para um dos clubes próximos.
E o que eu imagino que a CBRu quer de fato é que os clubes tenham estrutura com sede própria, uma gama de profissionais com método pedagógico completo para trabalhar o desenvolvimento do rugby num raio de 20km da sede, onde fique responsável desde o infantil até o adulto. Como é na Argentina, principal exemplo que tenta se espelhar.
Ok, justo. Resta saber como chegar lá: em quanto tempo e quem pagaria por isso. E, lógico, quem iria estruturar os métodos de ensino e programas pedagógicos?
E a partir daí, chegamos onde estamos hoje, um descompasso entre as realidades do alto rendimento e do rugby da comunidade. Sem jogos oficiais por quase dois anos, restou em evidência apenas os jogos das seleções brasileiras e Cobras. O assunto ao longo dos últimos meses foi canalizado para algumas críticas e análises sobre como as seleções jogaram seus torneios… E claro, sobre como não tinha mais jogadores para jogar um pré-olímpico.
Curiosamente o ponto em comum nas críticas são as categorias de base, mas até então não parecia que ninguém queria assumir ou entender de quem seria a responsabilidade… Até este final de semana, quando houve o Congresso Nacional das Categorias de Base.
Por mais importante que tenha sido a iniciativa e por mais que tenha tido algumas boas discussões, ainda os debates são travados com certo tom generalista. Independente do tema ser rugby ou não, quem é formado em educação física (os professores nas escolas e alguns dos treinadores de clubes) já passam ao longo de suas formações por boa parte daquilo que foi discutido no Congresso. E talvez sem saber verbalizar tudo, quem trabalha com treinamento sabe o que se passa nos bastidores sobre como tentar aprimorar seus treinos, torná-lo atrativo a novatos e garantir a retenção de jogadores. Ao menos deveria saber.
Você vai se perguntar: eu achei que não precisava acontecer o Congresso? Muito pelo contrário! Se não houver congressos deste tipo programado pelos próximos anos (e a agenda de congressos já tem que ser pensada até, sei lá, 2050!), aí sim vou achar que foi suor mal aproveitado. Precisávamos começar de alguma forma! É essencial sim ter congressos como este.
Escrevi anos atrás por aqui um artigo sobre como o Futebol Americano está dando um chapéu no rugby neste quesito. O evento ocorre desde 2017 e, por lá, se uma visão apresentada é certa ou errada, não é importante realmente. O ponto é que ela é discutida por todos para tentar chegar em sua melhor versão possível e, assim, evoluir o conhecimento geral. Sem essa de esconder o jogo com medo de usarem o conhecimento contra.
No nosso rugby dá pra contar nos dedos treinadores que deixaram de copiar os treinos e exercícios que faziam enquanto jogadores para optar por algo mais moderno que represente o que é o rugby dos anos 2020, além de todo conhecimento acumulado sobre físico e dados do jogo que vem sendo publicado no meio acadêmico nos últimos 15 anos. Este certamente é o ponto que foi falado no Congresso mais importante: basear seus treinos no conhecimento científico atual.
Quem viu a minha série “Mamute Drops Show” no canal do Youtube do Portal do Rugby percebe que minha vibe é tentar explicar rugby, não a vontade que teve pra determinar o resultado. É sobre o jogo com alguns pontos técnico/táticos e parâmetros de desempenho para justificar o comportamento geral com base nos fundamentos táticos de ataque e defesa mais usadas hoje e tendo em mente a carga de desempenho que os jogadores executam dentro do 7s, XV e League.
Eu particularmente tenho essa sede em querer aprender o rugby com dados e critérios que possam ser compartilhados, que estão verbalizados e disponíveis para consulta. E, a partir disso, moldar minha interpretação sobre como o rugby deve ser jogado e como meus treinos devem ser estruturados.
Minha ansiedade diz que não discutimos o rugby. Discutimos pedagogia. “O rugby é o que você quiser!” como ouvi uma vez em uma clínica. E pra mim, na situação que estamos, não dá pra ser assim. Quando é feito por profissionais, pedagogia e método de treino dificilmente é o problema: é rugby.
Já trabalhei com rugby de base e sei que professores lidando com uma modalidade como o rugby não é algo fácil. A tendência que se vê é a repetição dos poucos exemplos usados nas capacitações em todos os treinos, sem a possibilidade de criação própria por ser muito alternativo da formação e experiência que tiveram. E o processo de desenvolvimento e renovação destes profissionais é longo.
Não é discutido, por exemplo, como a seleção brasileira treina, quais exercícios que fazem e de onde vieram, quais suas intenções; não se discute a tática completa e como sua fragmentação deve ser usada para montar cenários e colocar à prova o treinamento de exercícios analíticos. Perdemos a coletividade logo de cara. E, novamente, há a tendência dos clubes voltarem a usar exercícios de 20 anos atrás para treinos de hoje.
Um amigo que morou na Nova Zelândia relatou que há congressos regionais feitos pelas principais franquias e clubes que reúnem treinadores – com brunch de graça – para discutir rugby, exercícios de rugby, táticas de rugby. A pedagogia é importante, sim, mas com a parte técnico/tática do rugby como carro-chefe, na frente.
Nossos debates sobre jogos de rugby são pobres, muitas vezes caindo para dois lados: chamando de “guerreiros, guerreiras” caso seja uma vitória ou que “faltou vontade” caso perdemos, quase sempre acompanhados por críticas que a CBRu não se importa com a base e que há jogadores por aí que deveriam estar na seleção. Banalizando o rugby apenas com uma boa noite de sono para jogar bem ou que a solução existe em algum lugar pronta.
E é essa a sensação que pra mim impera nos clubes no Brasil: além de todo problema estrutural de não termos uma maneira brasileira de jogar e ensinar rugby, métodos de treinamento não são atualizados e metodologias não são discutidas, já que estudar é “chato”, não é?
É mais fácil eu forçar o espírito do rugby como fortaleza do que aprender e ensinar de fato o que é o jogo com um bom método que otimiza o tempo de desenvolvimento.
Sem ser hipócrita: aprender algo novo é uma jornada triste, na boa. É se despir e ficar vulnerável a críticas, correções, constrangimentos. A exposição durante os estudos e provas podem passar a sensação de fraqueza e incertezas. Não se atualizar é algo que pessoas que interpretam mal livros de autoajuda forçam a ser usada uma máscara de superioridade ignorando críticas, culpando os outros, porque voltar atrás é considerado errado. É preferível parecer ser forte e nunca mudar do que ter autocrítica e se atualizar.
Também faz parte das críticas supostos jogadores de nível internacional que estão perdidos Brasil à fora, que são ignorados porque existe uma “panela” dentro do plantel da CBRu.
Uma mecânica que existe em RPGs, seja mesa ou games, é a experiência ser retratadas com números que desbloqueiam ações mais poderosas assim que acumulados. Um fator prejudicial para nossa seleção se desenvolver é o número baixo de jogos de nível do tier 2 mundial. Foi tentada a estratégia do elenco da seleção ser praticamente o mesmo elenco da franquia profissional na SLAR, com alguns reforços argentinos, justamente para gerar esse ganho de experiência e futuramente jogar num nível mais alto.
Claro que é preciso dar chances para renovação. Claro que o desenvolvimento se dá com oportunidades de jogos. Os jogadores que estão perdidos pelo país jogam quantos jogos por ano no nível que possa ser considerado do mais alto pelo menos dentro do Brasil? O jogador é bom de rugby, faz try todo jogo, mas possui números próximos dos parâmetros físicos requisitados – que aliás está disponível para consulta – para fazer parte do elenco?
Aí trago de volta a sensação do começo do texto, que querem que a CBRu se responsabilize pela base para depois reter o jogador pronto para seus clubes e assim vencer jogos.
Portanto, as supostas críticas de que a CBRu tira jogadores dos clubes para apenas treinar para a seleção acabam sendo o mesmo desejo de vários clubes, que preferem já pegar alguém formado em outro clube e aproveitar o trabalho concluído.
Um processo de identificação de talentos Brasil afora é algo que precisa evoluir, com certeza, mas o cenário ideal para isso requer recursos hoje não disponível. É preciso financiar filmagens, viagens, mais competições. É preciso ser muito criativo para superar as barreiras do dinheiro. Não temos uma maneira brasileira de desenvolver e de jogar rugby, então, o “rugby é o que você quiser” e ninguém pode argumentar contra.
Apesar do gigante desabafo, quero encerrar com um niilismo otimista: precisamos debater mais!
Os vídeos do “Mamute Drops Show” no Youtube sou eu apresentando uma visão e sensação que eu tive pra gerar um debate, pra conversar se eu não vi algo que deveria ter visto, se eu viajei nas ideias e interpretei tudo errado, porque processo de conhecimento e gerar conhecimento não é unilateral somente, precisa da participação.
Já recebi comentários que era pra eu me atentar nisso ou naquilo. Lindo! Nos próximos tenho mais noção do que abordar e de que forma abordar.
Para quem acredita que o rugby se resume a falta de vontade, então é preciso termos realmente vontade de formar uma escola brasileira de rugby.