Foto: Lais Zampiere

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ARTIGO OPINATIVO – Algo “bárbaro” pode ser algo muito bom ou ruim. Vamos começar com o muito bom. já que o último grande evento de rugby promovido no Brasil foi inesquecível. Tivemos um público que não foi igual ao dos Maoris (e não se imaginava que seria), mas foi bom, ainda mais para uma quarta-feira. A escolha da data se deu pela indisponibilidade de estádios em São Paulo no fim de semana – algo que mostra como ainda somos vulneráveis ao calendário do futebol, por não termos uma casa – mas o resultado foi suficiente para oferecer aos Barbarians e aos Tupis um clima positivo para o jogo.

Assistimos a grandes craques do rugby mundial. Confesso que balancei ao ter a honra de conhecer Rory Best, Mathieu Bastareaud, Tendai Mtawarira, Makazole Mapimpi… E pudemos aplaudir a carreira de um dos maiores jogadores da história do rugby brasileiro, Lucas “Tanque” Duque. Um dos últimos elos do nosso rugby atual profissional com seu passado raíz, de uma época que a seleção era anônima e sem um tostão. Tanque viveu tudo com a seleção e elevou a camisa a um lugar muito mais alto do que quando a pego e somos eternamente gratos a ele. Obrigado, de verdade.

 

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Time de personalidade

O jogo ainda permitiu constatar o tamanho da competência de Rodolfo Ambrosio. Ainda não sabemos se seguirá ou não em 2020 no comando dos Tupis, mas Ambrosio revolucionou nossa seleção. Transformou um time que ainda sofria para vencer o Paraguai em uma fortaleza. Ensinou a seleção brasileira a jogar com uma personalidade nunca antes vista e a sonhar alto, entender que o rugby internacional é feito de pessoas de carne e osso e que podemos querer mais, sonhar mais, porque somos capazes da grandeza. Lá na frente entenderemos ainda mais o tamanho de sua importância na história de nosso esporte. O Brasil jogou sem medo contra os Barbarians e o primeiro try do jogo não foi somente uma pintura. Foi uma prova de que nossa seleção (atleta por atleta) sabe do que é capaz.

 

Valores da boca para fora?

Agora, vamos começar com a chatice habitual. Primeiramente, recebemos relatos desagradáveis do comportamento de alguns torcedores – vestidos com camisas de clubes brasileiros de rugby, ou seja, não vamos nos enganar dizendo que era gente de fora da comunidade. De torcedores desrespeitando crianças (com direito a relato de banho de cerveja em uma menina, o que é atroz) e “mexendo” com funcionárias que trabalhavam no evento (isto é, assédio). Não foi um relato: foram vários. As mesmas pessoas desfilam na rua arrotando “valores do rugby”. É puro arroto. O bizarro é tentar entender como os mesmos se levam a sério quando falam de “valores”.

Se esses são a “nossa” propaganda do dia a dia para o esporte, estamos perdidos. Depois do mês começar com o caso de racismo no Sul, terminar assim é para cada um com um mínimo de consciência ter autocrítica de olhar para dentro de seu próprio clube e cobrar de seus colegas que deixem a hipocrisia longe do nosso meio e atinjam um mínimo de maturidade. Ou que pelo menos se inspirem nos exemplo positivos (que não faltam) do nosso esporte. Afinal, o rugby foi capaz de produzir uma instituição como os Barbarians. Do mais belo espírito de fraternidade, respeito, solidariedade…

 

1 milhão, CERET e Pacaembu

Entre os assuntos que circularam na semana do jogo esteve o 1 milhão de reais investidos pela Prefeitura de São Paulo no evento, com o argumento de que o evento promoveria a cidade para o mundo.

Tal investimento foi um ato de navegação em águas perigosas. Primeiro, porque o argumento não cola muito, uma vez que o evento foi grande para nós rugbiers brasileiros, mas não para fora do Brasil. Segundo, porque se o projeto da Confederação é se provar autossustentável via iniciativa privada, a necessidade de recorrer à política é um tiro no pé do projeto.

Ou, como eu prefiro olhar, uma prova de que o esporte necessita de políticas públicas, isto é, do apoio governamental de algum modo e, portanto, que a falsa tese de que esporte e política não se misturam é basicamente cretina e quem acredita nela ou é cínico ou cego.

Se, por um lado, o apoio do patrocinador principal vem se provando valiosíssimo para o rugby nacional, uma vez que o banco vem colocando recursos inestimáveis no esporte e trazendo uma ambição positiva para a realização de grandes eventos de rugby, por outro lado a Confederação ainda precisa cultivar outros parceiros com a mesma visão, para não precisar ter o evento salvo por vias políticas.

No entanto, quando falamos em políticas públicas, não entendo que este seja o melhor emprego de recursos. O rugby é um esporte miserável (no sentido de paupérrimo) no Brasil quando falamos em estruturas físicas. A cidade de São Paulo (sozinha, sem contar a região metropolitana) tem mais de 40 agremiações de rugby, mas apenas 3 campos receberam em 2019 jogos oficiais dentro do município: SPAC (privado), CEPEUSP (público, da USP, ligada ao governo estadual) e CERET (público, da prefeitura, o único de fato com acesso público e que, todos sabemos, precisa de melhorias). Na verdade, 4, com alguns jogos universitários na Medicina.

Trata-se de uma quantidade baixíssima de espaços para o esporte. Na prática, apenas o SPAC é independente de espaços públicos, por ter construído seu campo nos anos 60 numa área, na época, rural. Os demais, não podem se gabar de serem autossustentáveis, a menos que comecem a alugar campos privados para todos os seus jogos – ou se comprarem seus próprios terrenos. Quando pessoas de fora do rugby chamam o rugby de um esporte “elitista” não há contradição maior. Oras, não existe esporte de elite que seja pobre estruturalmente (afinal, mal temos casas). Uma ideia não encaixa na outra.

Em outras palavras, se tivéssemos mais espaços para a prática do rugby, o próprio esporte seria muito maior na cidade e, portanto, as chances de um evento internacional de rugby ser um sucesso que não precise de recursos públicos seriam muito maiores.

De todo modo, tivemos um investimento público em Barbarians versus Tupis e ele só terá algum sentido prático para o esporte no futuro se os investimentos não pararem nele e se, de fato, forem estendidos para sanarem carências do dia a dia da modalidade. Mais precisamente se tivermos recursos na ampliação e melhoria dos espaços públicos para a prática esportiva.

Aliás, nessa mesma esteira, o Estádio do Pacaembu deveria ser entendido como o espaço da prefeitura para o fomento do esporte – o que inclui a realização de eventos grandes, que “façam a fama” da cidade (já que aparentemente isso é importante). Com isso, não faz o menor sentido entender o estádio como despesa, quando ele, na verdade, é um bem público com muitos usos em prol da população. Logo, sua privatização parece ainda mais descabida – e obviamente contraditória.

 

Precisamos de uma “Oca”

Finalizo a barbaridade deste texto ainda ressaltando que precisamos de um projeto de longo prazo para uma casa do rugby para as seleções fazerem eventos. São Paulo (em um raio de 200km da capital) concentra metade do rugby brasileiro, o que faz da cidade óbvia casa principal da seleção. A aposta economicamente mais segura. Porém, trata-se de uma cidade com poucas opções de estádios. Se os povos indígenas estão sob constante perigo de perderem suas terras, os Tupis do rugby vivem sem uma oca. Isso não é sustentável.

Temos 3 estádios muito grandes (Morumbi, Palestra Itália e Itaquera), 2 estádios públicos politicamente à deriva (Pacaembu e Ibirapuera, que não estão sendo entendidos como os investimentos públicos que são), 1 caindo aos pedaços (Canindé), 1 inviável para o rugby (Javari, por motivos de segurança dos atletas, pela distância entre campo e grades), 1 promissor para o rugby, mas que precisa de investimentos (o Nacional, que se ganhasse iluminação e um “tapa” na sua infra-estrutura poderia ser perfeito) e 1 subutilizado (o Parque São Jorge, do Corinthians… que numa eventual parceria do rugby com o clube precisa urgentemente entrar na negociação, pois oferecia um grande bem ao rugby).

Para os eventos da seleção não serem um drama eterno (isto é, um mar de incertezas sobre a disponibilidade de estádios e o apreço do público pelo local escolhido), é preciso ter um estádio – um com o tamanho de nosso esporte e que seja um investimento que impacte também o rugby de clubes. Para isso, há duas opções: construir um (inviável hoje) ou selar uma parceria com um já existente. A segunda opção exige oferecer algo em troca, mais precisamente trazer um investimento que seja valioso ao proprietário. E é sobre este projeto que está cada vez mais importante se debruçar.

 

ERRATA – O Parque São Jorge não está mais subutilizado, pelo uso do futebol feminino. No entanto, foi um estádio por muito tempo pouco usado e poderia ser uma opção para o rugby em futuro próximo.