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Nos últimos dias, por conta das eliminatórias para a Copa do Mundo e do Sul-Americano, li estarrecido alguns comentários que afirmavam, supostamente corrigindo artigos: a América do Sul NÃO é um continente. Com todo respeito aos autores, que tiveram a melhor das intenções, esse é um equívoco.
Antes de mais nada, é importante levantar a questão dos continentais sob a perspectiva da Geografia. Entre as diversas propostas da Geografia sobre a divisão dos continentes, os critérios culturais da Geografia Humana e os critérios geológicos e geomorfológicos da Geografia Física se misturam. Assim, se levarmos em conta apenas as placas tectônicas e as grandes massas de terra, não resta dúvida alguma que a América do Sul seja um continente distinto da América do Norte (que engloba América Central e Caribe). Entretanto, sob esse mesmo critério, é possível desconsiderar a separação entre Ásia e Europa, reforçando a ideia de Eurásia, mais próxima da realidade física. Contudo, outras teorias privilegiam as convenções culturais sobre os continentes, o que leva, por exemplo, à separação entre Europa e Ásia – ainda que arbitrária e eurocêntrica, já que as diferenças entre as regiões da Ásia são tão grande quanto as diferenças delas com a Europa.
Sobre as Américas, as divisões da Geografia Humana divergem entre a junção das duas Américas, por terem um passado colonial semelhante – o que é controverso, já que tal aspecto se refere basicamente à América Hispânica e esconde outras unidades históricas em outras parte do mundo, como a mediterrânica, que une Europa, Oriente Médio e Norte da África – e aquela, mais usual, que separa a América do Sul da América do Norte, fazendo valer a separação física entre as duas regiões. Regiões? Sim. Alguns comentários que li diziam que a América do Sul não era um continente, mas uma região. Na verdade, qualquer continente pode ser uma região, já que o conceito de região se refere simplesmente a uma unidade geográfica. Continente e região são conceitos que não se anulam!
O que isso tudo significa? Que é possível considerar tanto a América do Sul como a unidade das Américas como continentes, dependendo da visão, mas jamais dizer simplesmente que é errado chamar a América do Sul de continente. O mais acertado seria falar em continente sul-americano e domínio americano (que engloba as duas massas de terra, isto é, os dois continentes).
América do Sul independente no rugby
No caso específico do rugby, não há dúvidas: a América do Sul é um continente separado. E esse é o grande equívoco de quem acha que não. O problema está na contradição do IRB.
O IRB – a entidade máxima do rugby mundial – reconhece oficialmente seis confederações CONTINENTAIS. São elas: FIRA-AER, da Europa, ARFU, da Ásia, FORU, da Oceania, CAR, da África, NACRA, da América do Norte e Caribe, e CONSUR, da AMÉRICA DO SUL e Central. Assim, para o IRB, não há dúvidas que a América do Sul seja um continente a parte, sendo que a adição dos países da América Central foi algo recente, produzida por questões logísticas e políticas. Tradicionalmente, de um lado está a CONSUR e os países sul-americanos, e do outro a NACRA – ex-NAWIRA – e os países norte-americanos e caribenhos.
A contradição do IRB e a confusão por ela criada diz respeito EXCLUSIVAMENTE às eliminatórias para a Copa do Mundo. Para o Mundial de 1987 não houve eliminatórias, que se iniciaram em 1991. Porém, na primeira edição das eliminatórias, o único país sul-americano inscrito foi a Argentina, que enfrentou Canadá e Estados Unidos, em partidas que serviram para definir os grupos que cada país ficaria no Mundial. Com isso, logo na primeira eliminatória, o IRB foi obrigado a criar a Zona das Américas, que nunca mais foi separada.
Para o Mundial de 1995, Uruguai, Chile e Paraguai finalmente se inscreveram para as eliminatórias (o Brasil entrou apenas nas eliminatórias para 1999). Como o Canadá já estava garantido no Mundial de 1995, por ter alcançado as quartas-de-final do Mundial de 1991, apenas 1 vaga foi destinada às Américas, a ser decidida entre o campeão da América do Sul e o melhor time da América do Norte. Com apenas 16 países participando da Copa do Mundo, a Argentina carimbou sua vaga ao Mundial. A decisão se fez por conta da entrada da África do Sul, até então de fora dos Mundiais devido ao boicote ao apartheid. Para se criar vaga sul-africana, a unidade das Américas no torneio foi mantida. E, desde então, nunca mais foi quebrada.
Com a expansão da Copa do Mundo de 16 para 20 times em 1999, o IRB teve a chance de separar os dois continentes, que têm confederações separadas. Mas, caiu em contradição, mantendo-as unidas. O que é facilitado pelo fato da Argentina sempre garantir vaga antecipada aos Mundiais e pela fragilidade das demais seleções do nosso continente numa perspectiva global.
Hora de mudança!
Apesar dos motivos para essa unidades das Américas nas eliminatórias, já passou da hora do IRB mudar e fazer jus à independência da CONSUR. Nenhhuma seleção da Ásia ou da África (excetuando a África do Sul) somou mais vitórias em Mundiais do que o Uruguai, único sul-americano (além da Argentina) a chegar à Copa do Mundo. Enquanto o Japão – único asiático a se classificar até hoje ao Mundial – somou somente uma vitória até hoje, o Uruguai tem em seu currículo duas vitórias – sobre Geórgia, em 2003, e Espanha, em 1999. Na África, Namíbia, Zimbábue e Costa do Marfim jamais garantiram uma vitória sequer nos Mundiais que jogaram. Assim, se a questão for técnica, mesmo sabendo que hoje o Japão está muito acima dos uruguaios, a situação da América do Sul é injusta.
Paralelo a esse descompasso, está chegando a hora de o IRB ampliar a Copa do Mundo para 24 times, na minha opinião. Apesar das diferenças dos pequenos para os grandes não terem diminuído substancialmente – os países mais fracos seguem sendo facilmente derrotados pelos mais fortes nos Mundiais -, o número de países que estão concorrendo diretamente às vagas na maioria dos continentes está crescendo. Basta olhar o cada vez mais disputado Europeu de Nações, o crescimento de alguns países asiáticos, a “briga de foice no escuro” na África e, claro, o cenário sul-americano. Assim, para 2019, nada mais justo seria o IRB ser ousado e apostar numa Copa do Mundo com 24 times, 6 grupos com 4 times, seguidos ou por quartas-de-final ou por 4 grupos com 3 times (ao estilo dos anos 80 na Copa do Mundo de Futebol). A discussão está aberta e é preciso mudar!