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ARTIGO OPINATIVO – A coluna Voz do Rugby é nosso espaço para o leitor mandar seus artigos opinativos. Recebemos um artigo de Lucas Faria comentando a polêmica em cima da mudança de nome dos Crusaders.
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Após o atentado cometido por um terrorista supremacista branco contra a comunidade islâmica de Christchurch, Nova Zelândia, que causou 51 mortes, gerando comoção internacional e nacional naquele país, começou um debate sobre o nome e a identidade da franquia de Rugby da cidade, os Crusaders, ou, na tradução, Cruzados.
Mas afinal o que são os Cruzados? As Cruzadas foram expedições militares européias, cristãs, que ocorreram sobretudo na Idade Média, cujo objetivo principal foi tomar de volta para controle cristão a cidade tida como sagrada para o cristianismo de Jerusalém.
Como toda campanha militar, as Cruzadas foram marcadas pela extrema violência, abusos e massacres de ambos os lados envolvidos na Guerra Santa. Não só pela indefinição até hoje sobre o controle da cidade de Jerusalém (a “Terra Santa”) como por diversos fatores, é possível dizer que as consequências das Cruzadas perduram até os dias atuais.
Sensibilizados, logo após os atentados na Nova Zelândia, os Crusaders anunciaram que iriam estudar a mudança de nome da franquia, tendo em vista que ela remete à intolerância religiosa, o que já na altura repercutiu negativamente em caixas de comentários e grupos virtuais de discussão, tendo em vista que segundo alguns isso era uma tentativa de silenciar os símbolos cristãos, chegando-se ao ponto de ter sido falado que isso era uma censura ao cristianismo mas que ninguém, por exemplo, censurava as manifestações religiosas de Sonny Bill Williams, estrela dos All Blacks, convertido ao Islã, comparando até com as declarações da estrela da seleção australiana de Rugby, Israel Folau, cristão, que reproduzindo discurso fundamentalista, condenou ao inferno através de post no Instagram, homossexuais, ateus, consumidores de bebidas alcoólicas e etc., publicação essa que, após processo, causou sua demissão da seleção de rugby de seu país.
Mediante esses fatos é preciso primeiramente discernir manifestação de religiosidade de discurso de ódio, intolerância. Penso que, de forma geral, a manifestação de religiosidade de SBW não repercute já que, mesmo que ela seja pública, é algo que ele guarda pra si, não volta ao olhar alheio, não impõe a ninguém. Quando Folau condena certos tipos de pessoas ao inferno ele está sendo intolerante com certos comportamentos que, a rigor, são de fórum íntimo de cada um. Condenar alguém ao inferno é uma forma de coagir certa pessoa a algo, o que é ofensivo, desrespeitoso com uma decisão individual, mesmo que não se concorde.
Diante disso já não precisamos comparar SBW com Israel Folau, já diferenciamos religiosidade de discurso de ódio, porém, dada a decisão da franquia dos Crusaders de manter seu nome porém substituir seu símbolo (um guerreiro cruzado com espada em punho e erguida) é preciso esclarecer algumas coisas que foram ditas.
A primeira que se leu foi colocar uma dicotomia entre cristianismo e islã, ocidente e oriente, bem versus mal. Chegou-se ao ponto de comentarista em rede social, brasileiro, dizer que essa mudança de logo era uma ameaça a “nossa cultura”. Primeiro que nossa cultura, enquanto brasileiros, é a mistura da cultura nativa, dos povos e civilizações chamadas de indígenas, com a dos povos negros escravizados com a dos europeus cristãos que impuseram sua cultura, o que inclui a religião, invariavelmente na posição de opressores (o que é fato, independente do que dizem hoje deturpações históricas feitas com propósito político) aos povos escravizados, logo, oprimidos. Podemos dizer que a cultura associada a dos Cruzados não é nossa cultura, enquanto brasileiros. O que ela teria de nosso nos foi imposto.
Mudar essa logo é uma forma de amenizar, de ter um pingo de sensibilidade mediante um grande atentado terrorista, e tentar se distanciar de um símbolo que naturalmente, historicamente e literalmente, é associado à violência, num momento em que não só a Nova Zelândia como especificamente a cidade de Christchurch sofre com a violência e intolerância religiosas.
Para alguns leitores também esse fato seria mais uma demonstração do que alguns grupos extremistas chamam de “cristãofobia”, uma aversão e uma conspiração global para derrubada dos símbolos cristãos. Ora, vê-se muitos símbolos cristãos por aí e não necessariamente associados diretamente à guerra contra membros de outras religiões. Penso que a preocupação dessas pessoas antes de mais nada devia ser a de procurarem ser representados de melhor forma, segundo que foi feita uma comparação do uso de símbolos cristãos com o extremismo islâmico. Creio que ninguém acharia de bom tom que houvesse um time chamado “Os Jihad” (“Jihad” é como os extremistas islâmicos chamam sua Guerra Santa, o equivalente islâmico das Cruzadas cristãs da Idade Média que supremacistas cristãos reproduziram matando dezenas de muçulmanos indefesos), ou que um time se auto intitulasse “Os Gestapo”, “Os Ku-Klux-Klan” se batizando de acordo com grupos de intolerância e ódio armados.
Alguns comentários da internet tentaram forçar uma equivalência dizendo que, se não poderiam mais existir os Crusaders, que o clube inglês Saracens deveria ser rebatizado. Sarracenos significa literalmente “Árabes”, ou seja, seria como querer que um time cujo nome refere-se única e exclusivamente a um grupo étnico (lembrando que associar um grupo étnico à violência é um generalização estúpida,) deixe de sê-lo sem motivo algum. Seria como pedir para mudar de nome um time chamado “Tupis” ou “Maoris” ou “Highlanders”, ou seja, trata-se de uma falsa dicotomia, a equivalência seria se um grupo tivesse exaltando um grupo extremista cuja violência fosse direcionada contra um povo, e a comunidade internacional já tem uma denominação e realiza ações contra isso, menos quando se trata do extremismo cristão da Idade Média que se reflete até hoje através de supremacistas brancos e teóricos da conspiração do “globalismo”.
Falando em “globalismo” deve-se lembrar que o mundo é cada vez mais, devido a entre outros fatores a tecnologia, um lugar cujas distâncias são reduzidas, um espaço cujos fluxos migratórios são mais intensos e visíveis, portanto as pessoas devem cada vez mais acostumarem-se com a ideia da mistura de culturas e convívio com o diferente, sem esquecer que muito desse fluxo migratório global dá-se pela influência e imposição de países do ocidente, aos quais tanto supremacistas brancos quanto alguns comentaristas da notícia em questão nesse texto partilham vêem como superior, ignorando que muita da miséria e guerras que afligem países não ocidentais e forçam esses povos a migrar são reflexo direto e histórico das imposições dos países ocidentais.
Nesse complicado panorama mundial a World Rugby, entidade representante do Rugby mundial, se coloca na vanguarda do fomento da paz entre os povos, do respeito à diversidade, tanto de gênero, sexualidade, raça/etnia e etc e penso ser dever de todo amante de rugby se apoiar nesses valores para fazer um Rugby sempre maior e mais inclusivo.