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ARTIGO OPINATIVO – O rugby feminino está em momento chave no Brasil – na verdade, na América do Sul. A expansão da Série Mundial de Sevens Feminina de 6 para 8 etapas na próxima temporada, com o Brasil sendo promovido, e a criação de um Sul-Americano de XV Feminino como parte das Eliminatórias para a Copa do Mundo Feminina de 2021, impõem novos desafios ao rugby brasileiro e sul-americano.

A organização do Fórum Sul-Americano Feminino nesta semana é passo crucial para a evolução da categoria e seus desdobramentos ainda estão por serem vistos. Com isso, vale a pena esclarecer algumas questões do ponto de vista prático que estarão em evidência nos próximos meses.

 

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Calendário recorde para a Seleção: oportunidades e desafios

Como já publicamos, as Yaras terão calendário recorde em 2019-20. Até os Jogos Olímpicos de 2020 (para os quais o Brasil ainda precisa se classificar), somente os meses de agosto, setembro e, talvez, outubro de 2019 serão sem torneios para as Yaras (mas que são meses de Super Sevens). Todo o restante do período contará com alguma competição.

Para rechear ainda mais o calendário, o Sul-Americano de XV ainda precisa ter data oficializada (aparentemente março de 2020 é uma possibilidade forte).

Como o Bolsa Atleta não morreu para o sevens e com o Brasil agora de volta à elite do World Rugby, o dinheiro chegará ao alto rendimento feminino, mas tantas competições imporão um plantel maior.

Obviamente, a coexistência de sevens e XV se apresenta como a principal questão. Os elencos serão totalmente separados ou haverá atletas atuando em duas frentes? Caso as jogadoras do sevens não joguem o XV (uma vez que há grandes chances do XV ser jogado no meio da temporada da Série Mundial de Sevens), o elenco do XV deverá ser montado sem atletas do sevens. Seria o elenco do XV, assim, essencialmente amador?

O XV tem necessidades diferentes do sevens e, por ser modalidade nova, não sabemos como as adversárias irão se preparar para o Sul-Americano de 2020, em especial a Colômbia, que há tanto tempo quer o XV e já tem atividades em andamento.

Acima de tudo, a relevância das categorias de base no feminino estará mais do que nunca escancarada. E nosso início com derrotas na categoria em 2018 fazem o alerta para as juvenis óbvio. Mas, para a seleção juvenil render, é preciso haver mais feminino juvenil de clubes, evidentemente. A evolução existe quando se vê a Copa Cultura Inglesa, mas o caminho ainda é muito longo em termos de estaduais de clubes.

 

Sudamérica Rugby e Americas Rugby: qual o caminho internacional?

Um dos problemas mais claros para as Yaras vem sendo o rugby sul-americano. A evolução da Argentina ocorreu – tanto que em Hong Kong as Pumas obtiveram sua menor derrota na história para as Yaras. No entanto, o restante do continente ainda precisa evoluir muito – e, sim, um rugby sul-americano melhor é bom para as Yaras.

A questão colocada à Sudamérica Rugby é: quando teremos um verdadeiro circuito sul-americano? Em 2019, a entidade terá pela primeira vez 3 torneios femininos no mesmo ano. Mas ainda é preciso consolidar a estrutura para que todo o ano o calendário das nossas vizinhas seja composto de múltiplos eventos.

Entretanto, para as Yaras – e para as Pumas – a evolução mais importante estaria no rugby pan-americano, isto é, na Americas Rugby. Se os homens têm o Americas Rugby Championship – que ganhará sua versão M20 inclusive – por que as mulheres não têm o Campeonato Feminino das Americas? Se no XV isso ainda não é viável, no sevens precisa ser urgentemente. Se os torneios masculinos de Punta e Viña já têm EUA e Canadá participando, por que não há ainda esse intercâmbio feminino?

Para o Brasil, a promoção à Série Mundial supre as necessidades competitivas, mas quando estávamos fora da elite a carência era latente – e para países como Argentina e Colômbia é urgente um calendário mais forte.

 

E qual o efeito no sevens de clubes?

Certamente, nada angustia mais do que pensar quais os rumos do sevens feminino de clubes brasileiro. Já há muito tempo não é claro qual o projeto por trás de nosso sistema de competições. O Super Sevens é alta competição ou desenvolvimento?

Eu sinceramente acredito apenas no Super Sevens como alto rendimento. Não faz sentido num país continental um torneio nacional que não seja de alta competição. Desenvolvimento deve ser feito regionalmente.

Nesse raciocínio, o Super Sevens precisaria ser composto efetivamente pelos clubes que são a elite nacional e que todos os jogos sejam de nível. Por um lado, a participação de equipes convidadas que não têm a mesma proposta de alto rendimento leva o nível de alguns jogos para baixo, o que não é bom. Por outro, muitos clubes dependem do Super Sevens, porque suas regiões não proveem os torneios necessários, o que é fundamentalmente péssimo para um projeto de longo prazo.

Nesse sentido, o modelo ideal para o Super Sevens é uma cópia da Série Mundial, isto é com 11 times fixos e 1 convidado por torneio (ou logo 12 fixos e nenhum convidado). Tal modelo só faria sentido com um projeto de promoção e rebaixamento, isto é, com circuitos estaduais e regionais consolidados no calendário dando acesso a um (ou mais) torneio(s) de promoção (como ocorre com Hong Kong para as seleções).

Além disso, o Super Sevens jamais poderia constituir a base do calendário (no sentido de dependência) de nenhum clube, ainda mais no momento atual que o futuro de verbas para os torneios é incerto. O futuro de qualquer clube só existe regionalmente, pois é o rugby estadual ou regional que oferece viabilidade para o esporte quando o dinheiro é curto.

Assim, o Super Sevens precisa estar alinhado com um projeto amplo de evolução das competições regionais e estaduais.

Mais que isso, o futuro das competições regionais passa pela criação de mais torneios juvenis em todos os estados. Fácil falar, difícil executar (é lógico). Mas, como em todo o rugby brasileiro, todo mundo se diz ciente dessa questão, mas na hora de se escolher prioridades, a base sempre fica para depois. Portanto, ainda é importante falar o óbvio.

Aliás, quando olhamos para o masculino vemos como a ausência de categorias de base vem comprometendo o rendimento e o futuro de alguns clubes que dão o passo adiante em busca de competições de XV nacionais. Com mais atletas sendo envolvidas no sistema de alto rendimento da CBRu, mais os clubes precisarão estar munidos de plantéis femininos grandes o bastante.

Importante ainda, é preciso saber claramente o que se espera das atletas das Yaras: o Super Sevens é ou não para elas? Oras, se com o Brasil fora da Série Mundial já tivemos etapas de Super Sevens sem as Yaras, imaginemos agora com mais torneios de sevens e com o XV.

Mais do que nunca é essencial para os clubes saberem qual o projeto para suas Yaras. Primeiramente, um circuito que alterna torneios com atletas da seleção e torneios sem elas não é esportivamente justo. E em segundo lugar, mas mais importante, com mais Yaras requisitadas pelas seleções por mais tempo, será possível Yaras de clubes de fora de São Paulo seguirem com seus clubes? Com um calendário menor era possível. E agora? O problema que o masculino já tem desembarcará no feminino.

 

Que venha o XV? Mas como?

E agora a questão do XV feminino. Temos menos de um ano para fazer o XV literalmente nascer. Como será feito isso é a questão óbvia.

Em primeiro lugar, como o Sul-Americano de 2020 valerá como para as Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2021, certamente a CBRu vai abraçar o projeto dentro de seu sistema de alto rendimento. Se seguirmos a lógica do que ocorre com os juvenis, a existência ou não de um sistema de competições nacional será detalhe. A seleção poderá ser incubada e fabricada no NAR – e não é preciso falar sobre a comprovada qualidade do NAR e dos profissionais da CBRu. O time terá físico e será muito bem estudado em todos os seus aspectos. Os problemas deverão se assemelhar com os do juvenil: experiência de jogo, tomadas de decisão… nada que dentro da América do Sul seja comprometedor, mas que poderá cobrar seu preço na Repescagem Mundial diante, por exemplo, de um time europeu.

No entanto, se quisermos um futuro mais rico ao XV Feminino (e nós do Portal do Rugby queremos MUITO, há muito tempo), precisamos de clubes jogando a modalidade. Aí mora o problema.

Já vemos clubes se movimentando, mas quem está empenhado no Super Sevens terá dificuldades de conciliar prioridades – e elenco, sobretudo se houver menos Yaras disponíveis.

O desafio para as comissões técnicas dos times feminino será maior e uma harmonia com a direção dos clubes será essencial. Os clubes precisarão aproximar seus departamentos femininos da direção geral dos clubes, algo que vira e mexe é conflituoso Brasil afora.

O salto do sevens rumo ao XV não é fácil para ninguém – o problema também existe no masculino. Experiências claudicantes de clínicas de XV preocupam. Para mim, não há dúvidas que existe um aliado que precisa ser encontrado urgentemente: é o 10s. Intercalar torneios de 10s com torneios de 7s poderá ser um caminho mais natural e com menos sofrimento para se construir um XV sólido e sustentável – e isso vale para masculino, juvenil, todo mundo. Há um misto de desconhecimento, esquecimento, desvalorização e desinteresse  sobre o 10s que precisa see superado.

 

Desafios demandam mais mulheres no comando

Tantos desafios e o mais importante tem que ficar claro: nada será realizado com sucesso se não houver mais mulheres em posições de decisão, direção, com voz e poder dentro da Confederação, das federações e dos clubes.

O projeto de rugby feminino exige paciência (nenhum sucesso é feito sem percalços e desilusões), comprometimento e ciência de que haverá no percurso muitos conflitos. Conflitos de prioridade, de dinheiro, de interesse, de espaço, de visibilidade. Machismo, lógico. Julgamentos tortos, injustos e pobres sobre os resultados. E uma temível exigência de retorno rápido de investimentos (que tende a matar ou tolher projetos de longo prazo em qualquer área).

Por isso,  se não houver uma equiparação de mulheres e homens dentro dos níveis de tomada de decisões em todas as instituições, a história ensina que a corda vai estourar contra o feminino quando o conflito aparecer. E o debate em cima do conflito precisa ser feito dentro de uma esfera de igualdade.

Hora do rugby se provar vanguarda e condizente com o mantra de ser para todos e todas. Momentos decisivos pela frente do rugby feminino.