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É uma boa tese. 2016 foi o ano para o qual o rugby brasileiro viveu ao longo dos últimos sete anos. Toda uma revolução profissional no alto escalão do rugby nacional foi impulsionada pelos Jogos Olímpicos: a remodelação da Associação Brasileira em Confederação Brasileira de Rugby, com equipe profissional, seleções brasileiras profissionais e planos de longo prazo abrangendo os mais diversos aspectos do rugby brasileiro, munida de patrocinadores e dinheiro de Ministério do Esporte, Comitê Olímpico Brasileiro e Lei de Incentivo ao Esporte ajudaram decisivamente a transformar profundamente o rugby no Brasil nos últimos anos. A imprensa nacional, é claro, também “descobriu” o rugby e o fato de ser esporte olímpico aumentou muito sua projeção na mídia.
Em paralelo a tais transformações no topo da pirâmide, a comunidade do rugby brasileiro cresceu como nunca e com autonomia. Federações estaduais e ligas ganharam corpo, expandindo suas competições, ao passo que centenas de equipes de rugby surgiram no país entre 2009 e 2016, estimuladas também pelas transmissões do rugby internacional na TV fechada (anteriores e não relacionadas aos Jogos Olímpicos), pela internet (progressivamente presente na vida do brasileiro nesse período) e pelo intercâmbio estudantil, que teve uma explosão nos últimos anos, levando muitos brasileiros a experimentarem a vida no exterior e a “gringos” experimentarem a vida no Brasil, trocando experiência como o rugby. Em censo de 2009 da ABR, o rugby contava com 104 clubes, em 17 estados, com cerca de 5 mil jogadores(as). Os números mais do que dobraram até 2016 e a ovalada é disputada em todo o país. Projetos de rugby social e escolar cresceram como nunca, com número que impressionam, tanto por interesse externo (Premiership, com o Try Rugby) como por iniciativa local (Hurra, Rugby para Todos, etc).
Com isso, temos diante do rugby brasileiro uma questão básica: o Rio 2016 potencializou o rugby no Brasil, mas não foi o único motivador de seu crescimento. O rugby tem e teria vitalidade e um crescimento notável com ou sem os Jogos Olímpicos, mas provavelmente não na mesma velocidade e, sobretudo, não com os mesmos recursos. A superação dos Jogos Olímpicos e planos que não dizem respeito mais à Olimpíada apenas já foi feita pela CBRu, que colocou agora a Copa do Mundo de Rugby como o motor de seu futuro, ao menos entre os homens, junto de uma série de competições internacionais (Americas Rugby Championship, Super Rugby), já que entre as mulheres os Jogos Olímpicos seguem como o maior estímulo, sobretudo porque nossa seleção hoje não precisa de Olimpíada caseira para estar entre as melhores do mundo.
Mas, então, por que 2017 pode ser o ano mais importante? Pela meia verdade da máxima “chegar lá é fácil, difícil é permanecer”. É claro que chegar não é nada fácil. Mas certamente é mais difícil se manter. Sem Rio 2016, os investimentos governamentais vão diminuir (e já diminuíram). Sem motivo maior para privilegiar projetos esportivos, a Lei de Incentivo ao Esporte pode perder força, isto é, menos projetos podem passar a ser aprovados, impactando seus beneficiários. Sem a obsessão por uma grande campanha olímpica do Brasil, o que garante que a imprensa em geral seguirá dando destaque às modalidades olímpicas, em um país que ainda precisa de muito esforço para deixar de ser monoesportivo? As dúvidas existem.
A necessidade do rugby crescer porque é um esporte global, emocionante para o espectador, favorável para o investimento (pela gestão, em nível internacional, nacional ou regional) e com potencial pedagógico imenso (e não apenas porque é olímpico) está clara na mente de todo mundo que se envolve com rugby e parece cada vez mais clara para quem não era do rugby e acabou conhecendo o esporte durante o ciclo 2009-16.
Do outro lado, o World Rugby (a federação internacional) já identificou a importância do Brasil para seu próprio plano estratégico de crescimento. Com a Copa do Mundo sendo responsável por um percentual imenso da receita da entidade, o World Rugby tem claro que necessita de mais países grandes (com populações grandes e economias grandes) evoluindo no rugby e disputando suas competições. O Japão se tornou realidade e os Estados Unidos são a nova grande aposta. Brasil, Alemanha, Rússia, China são as apostas da sequência. O cenário que se formou entre 2009 e 2016, por muitos fatores, favorece que o rugby brasileiro seja requisitado na grande cena ovalada do mundo.
Onde tudo isso se junta? Em 2017. É este o ano em que, sem a “cenoura” do Rio 2016, o rugby brasileiro terá a missão de se provar em todos os níveis. No plano das seleções, teremos para o XV mais uma edição do Americas Rugby Championship, o Sul-Americano como parte das Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2019 e mais amistosos internacionais, sempre tendo em mente o rumo até o Mundial, seja ele em 2019 ou 2023. No sevens, as mulheres terão a missão de permanecerem na elite mundial e com resultados em evolução. Os homens do sevens passaram por renovação e que tipo de futuro pode se esperar da equipe será sugerido em breve. O M19 ainda está ensaiando seu passo adiante que necessita ser dado se toda a estrutura de alto rendimento quiser evoluir de forma sustentável.
Mas, certamente, o maior desafio não está nas seleções. Elas são o resultado de uma equação da realidade do rugby nacional potencializado pelos investimentos de cima. Dessa forma, por mais que se invista em cima, o longo prazo depende do crescimento em baixo. Fazer crescer o rugby nas escolas é um ingrediente essencial (que requer muito mais que vontade, requer conhecimento) e que precisa ser cada vez mais central para o rugby brasileiro, mas também não é o único ingrediente. A maturidade e o plano que se tem para o rugby de clubes mais do que nunca será determinante para o futuro do rugby nacional.
Seleções podem crescer pela qualidade de trabalhos técnicos e pelo talento de gerações, mas não se sustentam sozinhas. Escolas levam o rugby aos jovens, mas nada garantem que os jovens sigam jogando depois. A mídia leva o rugby às multidões, mas não garante que elas o pratiquem e o apoiem incondicionalmente. Os exemplos das três coisas estão no próprio Brasil em outros esportes. O “meio da pirâmide” é uma das “bolas da vez” de 2017: clubes, ligas, federações. Isto é, o crescimento do rugby amador, para o crescimento homogêneo e em bloco do rugby nacional.
É por todo esse conjunto que 2017 é um ano central. Porque é ele que dirá sem “maquiagem olímpica” o que é o rugby brasileiro de verdade. Suas dificuldades e limites estarão mais claros e as conquistas que foram sólidas ficarão, enquanto as que eram circunstanciais serão evidenciadas. O diagnóstico será mais realista e o longo prazo mais nítido a partir de agora.
Pois então, bela tese Victor, concordo totalmente. Em dado momento a pirâmide não consegue mais crescer em altura se a base não for aumentada e, nesse caso, a base é o rugby amador (clubes e federações), no entanto, me parece que a Confederação busca atingir a alta performance a qualquer custo, sem fortalecer essa base. É fácil exemplificar: Em um país como o nosso, de dimensões continentais, ter nem meia-duzia de academias (seja de alto-rendimento ou desenvolvimento), levando os jogadores que almejam vestir a camisa tupi a se mudarem e abandonarem os seus clubes é algo insustentável, vai de encontro à essa tese e, infelizmente, é o que está acontecendo. Ou se retira essa regra estúpida (que faz com que o campeão brasileiro não tenha jogadores integrando o selecionado por mera estupidez), ou se constrói outras academias, possibilitando que os talentos, formandos pelos clubes, não precisem escolher entre o seu clube formador e o sonho de jogar pela seleção.