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Francisco Isaac, colaborador português do Portal do Rugby e jornalista do site FairPlay.pt entrevistou nesta semana Juliano Fiori, que disputou os Jogos Olímpicos pela Seleção Brasileira Masculina de Sevens. A entrevista foi gentilmente cedida na íntegra ao Portal e Fiori contou sobre sua experiência na Inglaterra e com os Tupis. Confira

 

Antes de mais um Obrigado pelo tempo Juliano Fiori e começamos por perguntar… vais estar em Portugal, a representar o Brasil?

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Bem, obrigado da minha parte! Não, infelizmente não farei parte da equipa que vai aí. Como sabes nestes dois anos só representei os 7’s da selecção brasileira. E agora como estou em modo pausa, não posso fazer parte de qualquer das equipas do Brasil. Viver no Rio [Janeiro] tem essa questão… não há Academia de Alto Rendimento, o que me impede de trabalhar, nas melhores condições, para a selecção. De qualquer forma esperem por um jogo intenso!

 

Não fazes parte dos 7’s e da selecção neste momento?

Para já não, devido à situação do Rio de Janeiro. A CBRU está preocupada com a selecção de XV, sendo que os 7’s estão em 2º lugar porque não há uma competição bem estruturada e não estamos nas World Series. Estou algo afastado da selecção agora, depois de dois anos de treinar com os meus colegas na preparação para os Jogos Olímpicos… tenho pena porque estamos a melhorar e a crescer, o gap está a encurtar e poderíamos, num futuro próximo, fazer “estragos”. Os nossos recursos humanos ainda são algo curtos, não dá para termos duas selecções de variantes diferentes.

 

Quando foste para Inglaterra? E como foi/é a tua vida por terras de Sua Majestade?

Bem eu nasci em Inglaterra (risos)! Vivi praticamente a minha vida toda lá… só aos 18 anos é que fui viajar passando pela Austrália, Nova Zelândia e depois voltei para casa para voltar aos estudos. Formei-me em Letras Clássicas em Bristol e depois tirei Relações internacionais em Cambridge. Durante esse tempo joguei pelas Universidades e pelo meu clube, Richmond (que está na Championship). É um dos clubes mais antigos do Mundo, jogou o primeiro jogo entre clubes contra o Blackheath. Nos anos 90 tiveram vários problemas financeiros, apesar da profissionalização. Por um lado foi bom, porque ajudei-os a subir 4 ou 5 divisões, algo que nunca vou esquecer. Na faculdade joguei um dos jogos mais tradicionais da Universidade (Varsity Match, jogo entre Oxford e Cambridge). Ganhámos em 2007 e foi uma das últimas vezes que ganhámos a Oxford.

 

Agora estás pelo Rio de Janeiro, mas pretendes voltar a Inglaterra?

Se vou voltar para a Inglaterra? Não sei. É provável que volte, fiz a minha vida toda lá… tenho 31 anos, tenho de pensar seriamente em qual vai ser o melhor caminho. Trabalho numa ONG internacional, que faz reflexões críticas e estudos às respostas às ajudas humanitárias… sou escritor independente, escrevo em jornais.

 

No Richmond eras profissional?

No Richmond todos tinham um trabalho a full-time, mas também éramos pagos para jogar, sem ter aquele tom de jogador profissional. É um pouco como era o rugby antes desta era da profissionalização, todo o jogador tinha uma profissão, um ofício e o rugby ocupava o fim de tarde e os fim-de-semana!

 

Em relação ao Rugby no Brasil, achas que tem futuro? Quais são as vossas grandes “armas” como selecção?

Não tenho dúvidas disso. Eu recebi a convocação para a selecção de 7’s com muita honra. A possibilidade de jogar nas Olimpíadas…tudo com grande responsabilidade! Eu queria fazer parte desta nova evolução, juntar-me a uma selecção que já está a fazer este caminho há algum tempo. Nós temos uma história de rugby rica, muito interessante… sabias que o Brasil teve uma selecção nacional com qualidade há umas décadas atrás? Ou que em 1980 jogámos contra o Richmond? São marcos importantes na nossa identidade e memória! Apesar disto tudo, até há uns anos falava-se pouco do rugby na “rua”… agora já é diferente, já há gente a falar sobre a modalidade, há um interesse e investimento crescente. Já existe uma plataforma real para o rugby brasileiro crescer, onde os projectos sociais, de escola vão atraindo muitas pessoas… paralelamente, o rugby de alto rendimento está em grande evolução. É um processo que vai demorar, nada promete que vamos a ser uma grande potência… o nosso objectivo é sermos, em 1º lugar, uma selecção competitiva. A CBRU quer chegar ao Mundial de 2023, temos de criar fundamentos para atingir esse patamar… mas não deixa de ser possível. Há um amor pela cultura do rugby aqui no Brasil. Temos algo que os outros países da América do Sul não têm que é uma grande demografia, que se começar a virar para o rugby em massa pode catapultar-nos para outra “dimensão”. A possível entrada no Super Rugby poderá vir a acontecer, agora é preciso ter paciência, há que fazer tudo com sensibilidade.

 

Acompanhámo-vos durante o Sul-Americano e notámos que o nível do Brasil estava muito diferente, com uma qualidade técnica individual muito interessante. Como têm melhorado o vosso nível?

Acho que o Brasil jogou muito bem em vários jogos, até podia ter ganho mais que um jogo… até ganhámos frente aos EUA que era dos mais difíceis. Ficámos perto de ganhar ao Uruguai e Chile. Os jogadores brasileiros têm que acreditar que é possível ganhar aos nossos adversários, houve um primeiro passo nesta nova etapa.

 

Qual é o vosso grande objectivo para 2017?

Classificação para o Mundial de 7’s em 1º lugar. Individualmente depende se vou voltar a jogar um rugby competitivo… depende muito do que vai acontecer agora no futuro. Tenho 31 anos, quero continuar a jogar seja nos 7’s no Apache ou Richmond (ambos em Inglaterra). Há que decidir se vou voltar a jogar rugby de alto nível ou não. Gostava de começar a fazer família, estabelecer-me e ter uma vida estável… quero continuar a ser escritor independente, queria investir nesta área de publicar e investigar.

 

Já pensaste em vir para Portugal?

Sim já pensei… gosto muito de Portugal. Mesma língua, tenho uma ligação com Portugal (os meus avós viveram aí) … Não conheço bem Lisboa, daí que ir para aí viver seria bem interessante para a conhecer melhor essa terra.

 

Em termos individuais, notámos que és um jogador que gosta de uma boa placagem assim como “roubar” a bola no ruck. Como e onde aprendeste estas técnicas?

Jogo rugby desde os 6 anos e tenho agora 31 anos… por isso imagina o que aprendi. Comecei a jogar nos London Welsh, onde trabalhávamos tudo, sendo que a placagem assumia uma importância alta nos treinos… os galeses gostam bastante do contacto, não podíamos jogar com medo! Há que ter coragem de entrar no ruck, e isto não é algo que se aprende… para mim ou existe essa vontade ou não. Eu sempre tive esse gosto, de ir ao contacto, de placar e de trabalhar nesse jogo “fechado”. No início até comecei como formação, depois passei para centro (12 e 13) e até defesa. Nos últimos dois anos do colégio cheguei a ser abertura, mas como tinha um especial interesse no contacto… bem, acabei lá. Fiquei a 3ª linha a nível sénior e como prova que eu sou um “fã” de placagem, todas as lesões que sofri provieram pelo contacto físico.

 

A experiência que adquiriste em Inglaterra garantiu-te um nível e uma qualidade superior. Encontraste dificuldades no rugby inglês? Foste bem aceite?

Eu comecei o rugby em Inglaterra por meio de uns amigos dos meus pais. O meu pai nunca jogou e o contacto, com a modalidade, era diminuto. Quando chegaram a Inglaterra, nos anos 70, tiveram que começar a “beber” a cultura inglesa e parte dela passava pelo rugby. Como era era um rapaz grande, facilmente me convenceram a experimentar o jogo London Welsh.

 

E a nível do Brasil? Chegaste a jogar em alguma competição em terras de Vera Cruz?

Nunca joguei no Brasil, só mesmo na selecção de 7’s. Do que eu vi percebi que há uma boa cultura de rugby aqui, há equipas com bons princípios e que jogam com qualidade. Especialmente no sul do país, na zona de São José onde viveram vários franceses que trouxeram parte da cultura da modalidade. Desde do Rio de Janeiro, passando pelo norte e nordeste do país – em Natal, em Manaus – há um desenvolvimento do rugby, apesar de ainda existir uma distância de nível competitivo entre o que a selecção joga e o que os clubes jogam. Isto só será possível com investimento, trabalho de muitas horas.

 

Jogo que mais gostaste de jogar? E melhor exibição?

Os Jogos Olímpicos, claro! Foi um momento único, o auge da minha carreira de jogador. ‘ambém seria incrível ir a um Mundial com a selecção de XV (risos). O Torneio de Hong Kong foi sempre muito interessante, com muitas boas lembranças. Há outro momento que não me esqueço que foi a 1ª vez que fui a uma etapa do World Series, que foi em 2014 no Dubai. Jogar em Londres em Twickenham no tal Varsity Match. Sou um jogador que sei quais são os meus limites nos 7’s, não sou um fantasista ou um velocista, o meu papel individual nota-se no sentido colectivo.

 

Apesar de seres um jogador semi-profissional, dedicas-te largamente aos estudos. Estás no doutoramento agora, correcto? É difícil conjugar os dois “mundos”?

Eu sempre fui alguém com vários interesses e que gostei de me envolver em várias actividades diferentes. Quando era adolescente jogava cinco modalidades diferentes, desde o rugby, cricket, voleibol etc. Graças a essa sobrecarga aprendi a gerir o meu tempo e a minha vida. Nestes dois últimos anos com a participação na selecção foi tudo mais cansativo, esgotante… daí que tive de parar um pouco para descansar e reflectir. Tive a sorte em Inglaterra e no Brasil ter tido uma vida profissional e pessoal que me permitiu fazer viagens entre os dois países para representar a Selecção.

 

Achas importante um atleta de alta competição ter estudos avançados, para dar um bom exemplo aos jovens que estão a começar a tentar ser alguém no rugby?

A maioria dos meus colegas se tivessem a oportunidade de só jogar, é o que fariam. Eles querem ser jogadores de rugby profissionais, vivem para a modalidade, acho que é importante existir esse “mundo”. É uma forma de ajudar o Brasil a ser competitivo, porque demonstra compromisso, dedicação e trabalho. Eu nunca queria só o rugby, queria estudar e trabalhar…não quer dizer que não me sacrifiquei, cheguei a treinar vários meses às 6 da manhã e depois ir para a minha vida profissional.

 

Falando em alta competição, como foi a experiência de ser um atleta Olímpico? Que memórias ficam?

Bom, é difícil de descrever a sensação… representar o Brasil foi sempre algo que sonhei em fazer…e fazer isso no Rio 2016 foi um sonho cumprido. Nunca tinha imaginado que ia conseguir chegar aos Jogos Olímpicos na minha vida… era algo extraordinário, diferente, pois trata-se da plataforma mais alta do desporto internacional. Eu pensava que se o conseguisse era surreal… estar ao lado de Rafael Nadal ou de Usain Bolt, era impressionante poder conviver com os melhores da História do Desporto mundial. Há toda uma experiência, uma vivência entre os que estão a lutar para ganhar a medalha e os que estão lá para provar que vão dar tudo pelo seu país… dedicação e esforço, era assim que todos pensavam. É um ambiente intenso e único.

 

O Brasil somou um 12º lugar nos JO do Rio 2016, mas demonstrou qualidade. Os 7’s têm de ser um dos futuros do Brasil?

Na minha opinião devia ser uma das forças do Brasil. Temos qualidade e já o demonstrámos. Não podemos perder essa oportunidade, temos de lutar para sermos melhores. Há uma série de etapas que temos de atravessar, percebo a importância do XV e da luta para chegar ao Mundial, mas não podemos perder o fio dos 7’s.

 

Jogador preferido? E jogador que mais gostarias de ter placado?

De ver jogar, depende… o Jerry Collins inspirava-me muito, era um jogador fantástico, tinha uma coragem incrível e era “duro” mas muito leal. No Richmond respeitava e admirava alguns colegas mais velhos. Nunca os idolatrei como “deuses”, mas sim de segui-los como grandes atletas e que trabalhavam pela equipa. Jogadores que mais gostei de jogar com e contra? Pergunta difícil. Tinha um amigo de infância que foi meu rival e depois voltou a jogar comigo… chegámos a jogar no Richmond e no Apache juntos, o James Greenwood. Era um jogador habilidoso, totalmente diferente do que eu sou… ele não gosta do contacto, gosta de fugir com a bola e correr. Jogar com alguém que se torna seu “irmão” é diferente, como foi com o Fernando Portugal ou o Lucas Tanque, dois jogadores que estiveram comigo na selecção de 7’s e que os admirava muito. Marcaram-me muito! Agora contra…Cecil Afrika. Craque, eu joguei contra ele quando ele ainda estava nos Emerging Boks. Fantástico de o ver jogar. E o Tom Mitchell que se tornou um bom amigo. Na equipa de Portugal gostei muito de jogar contra o Pedro Leal, que é um mestre com a bola na mão ou o Esteves, que para placar é uma missão complicada! Por fim gostava de ter tido uma oportunidade para estar frente-a-frente com o Jonah Lomu… teria sido um grande desafio tentar placa-lo… não quer dizer que o conseguisse (risos).

 

Foto: ESPN.com.br