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ARTIGO OPINATIVO – Começou oficialmente neste mês o processo de seleção para as sedes futuras da Copa do Mundo de Rugby (Rugby World Cup). As sedes das edições 2027 e 2031 do masculino e 2025 e 2029 do feminino serão conhecidas no ano que vem. Até o fim de 2021, saberemos quais são as candidaturas oficiais e há muita expectativa para isso.
A Nova Zelândia receberá o Mundial feminino de 2021 e a França o Mundial masculino de 2023. E depois, quem deveria receber o Mundiais?
Austrália vs Rússia para 2027
Primeiramente, é crucial entender que a Copa do Mundo de Rugby representa a principal fonte de receitas para o World Rugby, a federação internacional. Isso significa que a ideia de que a sede da Copa do Mundo pode ser usada para “expandir” o rugby é falsa. O World Rugby não pode e não irá utilizar a sede do Mundial como aposta. O país que receber o Mundial terá a missão de garantir retorno financeiro ao World Rugby e a escolha não pode ser baseada em “achismo” de que determinado país teria um Mundial de sucesso.
A garantia de que o sucesso não é mera aposta arriscada está no tamanho do rugby num país no presente – e não no potencial futuro. Por isso, a maior parte dos países onde o rugby não é forte devem ser riscados da lista realista de potenciais sedes. Lembremos que o rugby no Japão já era muito grande antes da Copa do Mundo de 2019 e quem acha que o Japão era uma aposta arriscada apenas não sabe muito sobre a história do rugby japonês.
No momento, dois países se candidataram à sede da Copa do Mundo de 2027: Austrália e Rússia. Por mais que o rugby cresça na Rússia, ela é uma aposta muito arriscada no momento – para não mencionar os problemas geopolíticos e o escândalo recente de doping. Para a Rússia ser uma aposta segura, tem que haver muito dinheiro garantido na mesa. E o rugby não é a FIFA, isto é, o rugby não tem o mesmo impacto de propaganda global para os russos abriram o bolso tão “generosamente”. A Rússia recebeu a Copa do Mundo de Sevens de 2013 e foi um fracasso de público. Desde então, não recebeu nenhum evento relevante que prove ser uma candidata realista. Se perderem 2027, os russos ainda irão querer 2031 – mais realista, mas que ainda requer muito trabalho na popularização do esporte no país antes.
Por isso, a tendência é que a Copa do Mundo de 2027 vá para a Austrália – que precisa do evento (que não recebe desde 2003) para revitalizar seu rugby. De todo modo, tão ou mais importante do que a sede de 2027 é a expansão da Copa do Mundo para 24 seleções. A expansão ainda não é confirmada, mas é crucial para o futuro do esporte.
E a Argentina?
Obviamente, para nós brasileiros a Argentina é o país mais sedutor para receber o Mundial. No entanto, os argentinos deixaram claro recentemente que não têm planos para se candidatarem neste ciclo de eleições. Infelizmente. O país tem dificuldades econômicas e prioriza a Copa do Mundo da FIFA de 2030.
É um tanto evidente que o Brasil não tem um mercado hoje para o rugby que torne realistas as chances de receber o Mundial. Novamente, ter os estádios de 2014 é irrelevante para a discussão. No entanto, um Mundial na Argentina poderia trazer chances de alguns jogos serem no Brasil. Quem sabe, caso ganhe o Mundial da FIFA de 2030, a Argentina possa se candidatar com força para receber a Copa do Mundo de Rugby de 2035?
Estados Unidos ainda estuda receber o Mundial de 2031
Muito aguardada por todos, por conta do nascimento da Major League Rugby, uma candidatura norte-americana tem ainda muitas incertezas ao seu redor. Os Estados Unidos vivem processo de estudo de viabilidade de sua candidatura, sendo que as dificuldades financeiras da federação do país recentemente têm um peso negativo. Certamente, o tamanho da indústria esportiva norte-americana torna um Mundial de Rugby lá atrativo – mas também pode ser um fator negativo.
O rugby não está na lista dos esportes mais populares dos Estados Unidos, ainda que o país tenha hoje um número de praticantes muito elevado, sobretudo no meio universitário. Isso significa que quanto menos concorrência de ligas como NFL, NBA, MLB, NHL e MLS houver, melhor. O World Rugby não pode se dar ao luxo de ter um Mundial que não ganhe manchetes na mídia local. Questões como o tamanho da economia estadunidense ou seus estádios são irrelevantes. O maior problema é a competição por atenção com ligas poderosas.
A Copa do Mundo de Rugby é normalmente jogada em outubro, que é um mês péssimo para conquistar atenção nos Estados Unidos. Utilizando as datas que prevaleciam até 2019 (antes dos ajustes temporários da pandemia), a MLB (beisebol) e a MLS (futebol) têm em outubro suas finais, ao passo que a NFL (futebol americano) e o College Football (futebol americano universitário, que é imenso). Já a NBA (basquete) e a NHL (hóquei) dão a largada em suas temporadas justamente em outubro. Tudo concorre com o rugby.
O período com menos concorrência é o verão, entre junho e agosto, quando tradicionalmente apenas MLB e MLS estão em ação (a NBA teve suas finais em 2019 na primeira metade de junho). No entanto, o verão norte-americano significaria calor muito forte para jogos de rugby (ainda mais com o aquecimento global). A solução de passar os jogos para a noite implicaria em transmissões de madrugada para a Europa. O cenário não é dos melhores para se encaixar um Mundial de Rugby no calendário esportivos dos Estados Unidos, mas não é impossível.
Quem mais? Reino Unido? Escócia e Irlanda? Itália? Espanha? África do Sul?
Neste mês, ventilou-se a possibilidade do Reino Unido receber de novo o Mundial. A Inglaterra recebeu a Copa do Mundo em 2015 e não seria surpreendente vê-la recebendo-a em 2031. Afinal, a França recebeu em 2007 e voltará a receber em 2023. A escolha da Inglaterra seria pragmática, focada no dinheiro que a Copa do Mundo geraria – tão precioso para o World Rugby num mundo afetado pela pandemia. Seria muito ruim em termos de expansão do rugby para fora dos países tradicionais, mas faria sentido do ponto de vista econômico – infelizmente. De todas as opções conservadoras, um Mundial focado na Irlanda ou dividido entre Irlanda e Escócia seria mais positivo, por ser uma novidade. Inglaterra e Gales já receberam final de Copa do Mundo, mas Escócia e Irlanda não.
A opção que eu realmente gostaria de ver para 2031 é a Itália. Infelizmente, até o momento não há pistas de que os italianos se candidatarão. A última candidatura (abortada no meio) foi para 2023. A Itália tem como ponto negativo a dependência de estádios de futebol, muitos dos quais em más condições. Porém, o rugby tem um piso de popularidade por lá e o país receberia muitos torcedores franceses e britânico, por exemplo, garantindo sucesso ao evento. A última Copa do Mundo da FIFA que a Itália sediou foi em 1990, o que significa que o Mundial de Rugby poderia surfar nessa saudade. Uma opção para a Itália seria dividir o Mundial com a Espanha, que também não recebe o Mundial da FIFA há muito tempo, desde 1986. O rugby é menos popular nas Espanha, mas o país é certamente dos mais desenvolvidos em número de praticantes e clubes entre os países emergentes e recebeu eventos recentemente com grande sucesso – como a final da Copa Europeia de Clubes em 2018 e a final do Top 14 francês em 2016, ambos com casa cheia em Bilbao e Barcelona, respectivamente. Sozinha, no entanto, a Espanha seria uma aposta mais arriscada. Para mim, uma candidatura conjunta de Itália e Espanha para 2031 seria perfeita, mas me parece improvável, infelizmente.
Por fim, a África do Sul não recebe a Copa do Mundo desde 1995 e é sempre cogitada, tendo sido derrotada pela França na eleição para 2023. Trata-se de um país muito diferente do que ele era em 1995 e seria muito positivo ter um Mundial lá na próxima década. Porém, ainda não há informações sobre uma possível candidatura sul-africana e a derrota para 2023 esfriou o ânimo no país, que vive dificuldades econômicas.
E o feminino?
Até o momento, não está nada claro quais países irão se candidatar para receberem os Mundiais femininos de 2025 e 2029. A Austrália é o único país que já declarou suas intenções publicamente e o ideal é que as australianas jogassem em casa apenas em 2029, pois 2023 a Copa do Mundo será na Nova Zelândia. Dois Mundiais seguidos na Oceania não é uma situação ideal.
Dois países que cresceram muito recentemente no XV feminino são Itália e Japão e creio que seriam escolhas muito boas para 2025. A volta do evento à Inglaterra (que o recebeu em 2010) e à França (que o recebeu em 2014) também são sedutoras, pelo avanço do rugby feminino nesses países desde então. O Mundial feminino tem custos menores envolvidos ainda e, com isso, o interesse por sediá-lo tem mais a ver com o projeto de uma federação com relação ao crescimento do rugby feminino do que geração de receitas a partir do evento.
Mais interessante do que a sede é a expansão do Mundial feminino para 16 seleções em 2025. Já está confirmado e trará problemas logísticos, pois o tempo de disputa do Mundial aumentará e isso trará problemas para elencos amadores, o que significa que a profissionalização do XV feminino estará no centro das preocupações.