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ARTIGO OPINATIVO – O ano vai chegando ao fim e se torna urgente pensar no que pode ser 2020. Tema crucial para se pensar o futuro é a situação da Confederação quando o assunto é sua equipe operacional, isto é, seu staff. Por ser a única entidade de fato profissional e a referência (a liderança) para o rugby, é inevitável discutir mais uma vez a Confederação.

A CBRu tem hoje gestão operacional nova, que ainda não teve tempo para trabalhar. Portanto, são os últimos anos que serão discutidos. Mais precisamente de 2016 a 2019, quando a CBRu passou por uma política de redução perigosa de sua equipe administrativa, isto é, o seu corpo de funcionários que “colocam a mão na massa” no que diz respeito à gestão da entidade nacional. Isto inclui o agora extinto departamento de desenvolvimento e, lógico, os braços de marketing e comunicação, bem como torneios e eventos, que minguaram ao longo do período de gestão sob o “método Danza”, que se baseou no direcionamento total do foco dos gastos no alto rendimento, isto é, nos resultados das seleções – e, sendo justo, os resultados em campo da parte das seleções adultas aconteceram.

A redução dos gastos administrativos foi mais de uma vez exaltada naquela gestão, como se fosse inequivocamente positivo direcionar todos os gastos às seleções. Na verdade, uma vez que o staff é reduzido e pressionado a render com menos recursos, o efeito é evidente: a qualidade do trabalho cai, seu engessamento assombra e o esgotamento dos funcionários chega ao limite, gerando rotatividade pouco sadia na equipe.

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Em outras palavras, perdem-se funcionários experientes (já adaptados, que compreendem a realidade do rugby, algo crucial para a resolução dos problemas do cotidiano do esporte) e o trabalho se torna burocrático, refém da execução pela entrega (pelo cumprimento das tarefas). Ou seja, problemas não são resolvidos. Soluções não são encontradas ou são imediatistas. A criatividade para se buscar soluções não tem espaço. O estudo cuidadoso dos problemas e o diálogo com a comunidade afetada são prejudicados. A responsabilidade com o futuro se torna apenas retórica. Para não falar no risco de processos trabalhistas, quando o staff opera no limite (digo apenas “risco”, porque não faço ideia se houve qualquer irregularidade ao longo do tempo. Porém, em todo ambiente onde há acúmulo de tarefas sempre flerta-se com “riscos”). Todos efeitos comprometedores, ainda mais quando as finanças vão mal e a imagem da entidade está desgastada junto da comunidade.

Aliás, parece básico (primário) entender que num esporte amador a comunidade é tanto consumidora como promotora e mão de obra. Indispensável o bom relacionamento. Na verdade, obrigatório, porque receitas de origem pública para o esporte só existem (ou só deveriam existir) para que haja um retorno à sociedade. O engajamento da comunidade só flui quando ela sente que o trabalho tem retorno. Mais que isso, fica a questão: o que adianta Tupis e Yaras colherem resultados se estes não conseguem ter seus efeitos maximizados? Se faltam braços, colhe-se menos do que o necessário.

Fico incrédulo em ter que dizer o óbvio: o rugby é um esporte coletivo, ou seja, ninguém joga sozinho. As seleções não jogam sozinhas no rugby brasileiro. Elas são parte de todo um sistema que vai muito além do alto rendimento. O descolamento não pode ocorrer.

 

Ciclo vicioso

A bola de neve que se formou também se voltou contra a própria seleção. Oras, por que a surpresa com a presença mínima de torcedores em jogos “comuns” da seleção? Quando falo “comuns” me refiro aos amistosos valendo Ranking e ao Americas Rugby Championship, pois Maoris ou Barbarians são excepcionais e contaram com receitas extras.

Em um ano tão desgastante para todo mundo, a desconexão entre Confederação e comunidade do rugby veio à tona e se manifestou através desse desinteresse do público. Para piorar, com staff sobrecarregado, não é possível elevar o trabalho de promoção e organização dos eventos. Na maior parte do tempo, o esgotamento do trabalho é a tônica.

Se na semana passada comentei sobre a necessidade de bons torneios de sevens, isso só seria possível se houvesse o ambiente de trabalho apropriado (o que não foi o caso neste período). Já vi ao longo dos anos muitos comentários injustos sobre a Confederação, de pessoas que acusam (por total desconhecimento) a equipe operacional de não trabalhar. Pelo contrário, eles trabalham muito. O problema é faltarem braços para tantas necessidades, pois o rugby brasileiro não é nada desenvolvido. Somos totalmente “Tier 3” quando analisamos nosso rugby por completo (e muito longe do “Tier 2”). Aliás, estamos atrás de Chile e até de Paraguai em vários aspectos do nosso rugby doméstico.

Consequentemente, a corda de tal método de gestão estourou ao longo de tempo em cima do universo do rugby amador, isto é, de clubes, árbitros, jogadores, voluntários que compõem a maioria absoluta das pessoas interessadas no dia a dia e no futuro do esporte. Nós todos, em resumo. Às vésperas de 2020, temos mais perguntas do que respostas sobre o futuro.

Uma vez que a sinergia com a comunidade se perde, um ciclo vicioso se forma. É difícil de superá-lo.

 

Responsabilidade é sempre compartilhada

Eu sempre divido responsabilidades, não persigo ninguém. O futuro do rugby de clubes é obviamente em grande medida responsabilidade dos próprios clubes e suas respectivas comunidades. Responsabilidades também passam pelas federações estaduais, obviamente. Seria leviano jogar nas costas da CBRu todos os problemas. Há muito lunatismo, falta de noção e de preparo em muitos clubes, que muitas vezes são reféns acima de tudo deles próprios. A desunião dos clubes e o irrealismo de muitos gera também federações que não conseguem caminhar adiante. Transparência e diálogo são problemas transversais, que afetam todos os níveis do rugby (e de qualquer esporte) e que só se resolvem com compromisso contínuo, revalidado ano após ano. Isto é, sofrem quando o dia a dia é “empurrado com a barriga” ou quando as operações básicas estão estranguladas por sobrecarga de atividades.

Em última instância, quando o topo da pirâmide sofre, a base agoniza. Liderança é algo muito sério. O caso da não filiação de Norte, Nordeste e Centro-Oeste é o melhor (pior) retrato do que é o problema de liderança desde o topo (CBRu) no nosso rugby. Para liderar, é preciso ter organização sólida e visão abrangente. Para se organizar, é preciso mãos. Para enxergar, é preciso conhecimento. Liderança em meio ao caos prejudica o futuro. O presente não pode sacrificar o futuro nunca. É o mal do presentismo.

 

O Elefante na sala abarrotada

Para 2020, ainda há o assunto Superliga sul-americana, que traz problemas extras a tal cenário. Como apontou Fábio Mariz em artigo no Estadão, as questões ainda não respondidas são muitas. Caso o Corinthians não absorva a operação da franquia brasileira em sua integridade (incluindo toda a gestão, marketing e comunicação dos seus jogos), a competição (isto é, a mais nova responsabilidade da Confederação) poderá ser uma cilada. Mais precisamente, se o investimento na franquia não for acompanhado de mais receita para o investimento em equipe operacional, a Superliga, que nasceu como “solução”, poderá se tornar “problema”.

Só será possível se beneficiar desta nova competição caso o aporte financeiro para fora de campo seja condizente com as novas demandas. Na verdade, esse aporte precisará ser muito maior que a nova demanda, porque o presente não é nada satisfatório. O planejamento inadequado (apressado) para a nova competição ao longo de 2019 criou um imenso elefante numa sala já abarrotada.

 

Desejos sempre positivos

Não se engane: eu torço pelo sucesso da Superliga. Não torço contra. Tudo que somar positivamente ao rugby é digno de aplausos. Já escrevi no passado, muito antes da Superliga ser pensada, que um sistema “piramidal”, com selecionados regionais, poderia ser parte da solução para o futuro do nosso alto rendimento. Uma liga sul-americana é uma versão desse conceito, na verdade (e hoje não irei discuti-la).

O melhor investimento da Confederação para 2020 seria em “braços” fora de campo, para (re)criarem as condições necessárias para a volta do crescimento de todo o ecossistema do rugby brasileiro. Portanto, como 2020 está chegando e a virada de ano é sempre momento de se desejar evolução, espero que possamos ver um novo caminho para a gestão dos recursos humanos da Confederação.

O recomeço com nova gestão operacional é propício para tais votos. Será preciso sanar a entidade financeiramente, é lógico, mas a lição que 2019 (na verdade, os últimos anos) nos oferece é que sem uma boa orquestra o espetáculo não encanta. Dançar tem que ser prazeroso, não um martírio.